O Silêncio Rompido ou A Fonte Artificial

A água que cai da fonte artificial

quebra o silêncio da casa e traz

a pseudo-sensação, ainda que

por segundos, da sua presença.

“Tudo em volta está deserto, tudo certo.”

Porque só há mesmo uma certeza:

saber que te quero para sempre.

E como. E muito. E tanto. Eternamente.

Mateus Almeida Cunha

Em: 06/12/2022

O Julgamento da Casa

O quarto me observa estático.

Os móveis, mudos, me julgam.

O teto me olha de cima, enquanto

que as paredes me enquadram

enviesadamente de soslaio.

Não há motivo. Não fiz nada:

apenas existo nesta casa que

carrega em si, meu íntimo.

Olho através das janelas e me busco

nos carros e ônibus e transeuntes que

passam e não sabem que estou aqui.

Nunca saberão da minha existência.

Para eles sou mais uma pessoa na janela

a observar a rua, o semáforo, os cães…

Passa um casal de idosos.

Estão debilitados, porém demonstram

alegria.

Até quando? Até quanto? Até onde?

⁃ Até logo! (falo timidamente, para dentro,

sem a mínima chance de ser ouvido)

Eles se vão, enquanto eu fico. Eu fico…

Eu fico? Estou em devaneios.

Ao menos estão sãos. Aparentemente, é claro.

Retorno para o quarto e deito-me.

Entendo por que estou sendo julgado:

não estou em plena lucidez.

Diria, talvez, que não estou em

sã consciência dos fatos e de mim.

As paredes sabem e sussurram para

os móveis. Posso ouvi-las.

Elas falam baixo, mas as ouço.

É uma voz aguda, porém lancinante.

Penetra nos meus ouvidos e me dilacera.

Elas não dizem verdades. Mentirosas!

Levanto-me, pois estou bem.

Não acreditarei em meias-verdades,

lúcido que estou. Quase me enganou.

Posso enxergar o cosmos acima de mim

e as luzes pulsantes do Big bang.

Ouço ruídos do universo e sinto ser

teletransportado como que por um

buraco de minhoca. Não estou mais aqui.

Talvez tenha entrado num buraco negro

e seja mesmo difícil (ou impossível) de sair.

Mateus Almeida Cunha

Em: 17/11/2022

Gal Costa, a Imortal

Gal Costa sempre fez parte de minha vida e não me recordo da primeira vez que a ouvi. Lembro com muito saudosismo de algumas canções que me marcaram profundamente como “O Amor”, sobre o poema de Vladimir Maiakóvski; “Vapor Barato”, com seus vocais irretocáveis; “Pescaria (Canoeiro)” e “Caminhos do Mar”, duas lindas canções de Dorival Caymmi; “Baby”, de Caetano Veloso que diz que moramos na melhor cidade da América do Sul e que preciso aprender inglês e também “Chovendo na Roseira”, de Tom Jobim, uma pérola. Claro que essa não é uma lista limitadora ou exaustiva, mas são essas as canções que minha memória afetiva resgatam minha lembrança mais antiga com Gal. Depois de adulto fui a, pelo menos, seis shows dela acompanhado inclusive de minha mãe, com outras companhias e sozinho, tal era minha admiração pelo seu trabalho e pela sua voz. Como se diz “ela é a mãe de todas as vozes”.

Transitando entre a Tropicália, o Rock experimental, a MPB, a Bossa-nova, o Samba e outros estilos, Gal foi a maior cantora-intérprete do último século no Brasil e uma das maiores do mundo. Ela foi: FA-TAL, Tropical, Plural, Baby Gal, Profana, Legal, teve Caras e Bocas e foi até Índia. Mas o nome dela era Gal!

Gostaria muito que, como dito por Maiakóvski, ela ressuscitasse por uma alameda de zoológico e ela também chegasse. Ela que era tão bonita entrasse assim sorridente, como está na foto sobre a mesa porque nossos corações estão destroçados. Ressuscita, Gal! Talvez, quem sabe, um dia?

Mateus Almeida Cunha

09/11/2022

Se eu Não Acordar um Dia ou Sobre uma Carta Não Mandada

Se eu não acordar um dia (talvez amanhã),

saiba que descansei para sempre e

nada mais me atormentará: eu estarei, enfim, livre.

.

E quando lembrares da nossa última noite juntos,

lembre-se do sorriso não apenas em meus lábios, mas em meus olhos

vidrados ao te observarem atentamente.

.

Repara: olha bem para a nossa fotografia.

Nós fomos feitos muito para nós dois,

mas eu não serei capaz de suportar

a minha vida por inteiro no seu curso natural

e eu sinto muito. Eu sinto mesmo. E sinto mais ainda por você e por nós.

Quem enxugará suas lágrimas quando eu me for?

.

Mateus Almeida Cunha

Escrito numa madrugada insone de 08 de março de 2022.

Envelhecer ou Um Casal de (Quase) Idosos

Não somos propriamente idosos, de fato,

mas estamos envelhecendo juntos.

Casamos há muito tempo, é certo

por vontade própria. Ah, e como

fomos (e ainda somos) felizes e

nos fazemos companhia.

Inevitavelmente que percalços fazem

parte de qualquer casal e conosco

não foi (e não é) diferente, mas

quando se ama tudo se supera.

Não temos mais a vitalidade de outrora.

Perdemos parte do viço e do brilho.

Nossos olhares tornaram-se mais

opacos e menos esperançosos.

Parece-me que a única coisa que

me espera é a brevidade da morte,

que cedo ou tarde, virá sem pedir licença.

E para ela nada se pode fazer, senão

assentir, calar-se e aceitar que somos

impotentes. Recolho-me a minha

insignificância nesta cadeira de

balanço e apenas registro meus

subterfúgios que, quiçá, nunca serão

lidos neste velho caderno de anotações

nesta tarde de outono. Espero!

Mateus Almeida Cunha

Em: 09/04/2022

Noite Triste sem Meu Bem

A noite que meu bem não está aqui

torna-se mais triste e melancólica.

Não tenho o seu peito para repousar,

nem as suas mãos para sentir.

Ele não reclama da minha ansiedade

e não pode ver que meus dedos

estão em constante movimento.

Meu amor não está aqui dividindo

o travesseiro, ainda que eu reclame

do calor insuportável e tente pôr

(em vão) uma barreira (supostamente)

intransponível entre nossos corpos.

Meu bem, é tão tarde… e você…

ainda que perto, (tão) longe.

Maldita doença, maldito vírus

que não é biologicamente um

ser vivo, mas apenas um ser.

To be, or not to be, that is the question.”

Trocando em miúdos, Shakespeare:

Ser ou não ser, eis a questão.

Enquanto isso o relógio insiste

em não funcionar plenamente

e as horas passam lentamente

sem você aqui neste quarto vazio.

Mateus Almeida Cunha

Para F.S.

Solidão Pulsante

Levantei-me sem vontade de fazê-lo

e permaneci estático olhando o tempo passar.

Ele não parou para mim neste dia estranho.

Chegou a noite, taciturna, cruel,

enquanto deitei-me e chorei em silêncio,

no escuro do quarto.

Não há ninguém aqui além de mim:

apenas um abajur e uma cama.

Entrelaçados

Olharam-se com ternura e

tocaram-se. As mãos se encontram

e os dedos se entrelaçaram e

se entrecruzaram.

Era mais que isso:

estavam fadados a uma vida

entrelaçada, cujos corações

batiam num único compasso

rítmico. Sabiam que era amor.

Mateus Almeida Cunha

Para: F.S.

Acidente (ou Um Pesadelo)

Acordei de sobressalto:

meu coração disparou

e a adrenalina irrigou-me

as artérias rapidamente.

Havia muito sangue e

morte. Morte. Morte.

Eu repetia para mim:

-Não vou perdê-lo.

Um carro na estrada.

Uma curva fechada.

Um erro de cálculo.

Ferragens e sangue.

Morte, morte, morte.

Sangue, sangue, sangue.

Pedaços de corpos no

asfalto preto e quente.

Eu precisava lhe contar.

Eu não consegui dizer

sem chorar e meus pêlos

dos braços se eriçarem.

Ele não podia viajar:

estava fadado à morte.

Eu sabia que não voltaria

a vê-lo com vida.

Eu o queria (e ainda o quero)

em meus braços, em meu corpo,

em minha cama e não

jazendo num sepulcro selado.

Sim, ele me ouviu e ficou.

Mas e se estivesse partido?

Haveria volta? Como saber?

Da vida, nada sabemos. Existimos.

Mateus Almeida Cunha

Para um Amor

Ah, mar… como poderia não te amar?

Essas ondas que quebram na praia

trazem meu amor, que navegava

distante, para perto do meu peito

e seus beijos sedentos me saciam.

Ah, amor… como eu amo te amar.

Mateus Almeida Cunha

Para: F.S.

Pseudo-haicai 140

Há uma dor que nunca se extingue.

Ela está lá, latente. Ou, melhor, aqui.

Lá no fundo ela pulsa. Há um grito.

Mateus Almeida Cunha

Años

Vão-se esvaindo, aos poucos,

os anos que carregamos dia

após dia como um fardo ou

uma necessidade de viver.

Mateus Almeida Cunha

O Travesseiro

Deito-me nele (ou parte sobre ele)

e, por vezes, choro.

Noutras, converso por horas e gargalho.

Está comigo diuturnamente

e aguenta o cansaço de parte

do meu corpo, mas não da mente.

Para ela, apenas… apenas.

Conforta minha cabeça e

massageia meus mais

íntimos (e secretos)

pensamentos e devaneios vãos.

Agora estou só e o abraço:

ele parece fazer parte de mim.

Tento dormir e não consigo.

Levanto-me e esvazio

metade da cartela de fármacos.

Estou em outra dimensão:

sinto meu corpo transmutar-se.

Eu não sou eu. Afinal, o que sou?

Perdi-me de mim.

Mateus Almeida Cunha

Pseudo-haicai 136

Saudade, aquilo que se viveu e

que se vive e aquilo que se viverá.

Ainda experenciarei emoções indefiníveis.

Mateus Almeida Cunha

Notas Sobre o Campo I

Acordar cedo e viajar

trilhando por uma estrada

esburacada de terra.

Avistar a casa, ao alto,

como se fosse uma colina,

embora não seja, de fato.

Um filhote de um futuro

cão de guarda distrai-se

com seu osso e sabugos.

Sento-me na varanda e

avisto o pasto e o céu:

o verde e o azul claro.

Debulho algumas espigas,

enquanto as galinhas d’Angola

passeiam sob o Sol.

Uma égua prenhe a pastar,

enquanto observo aquele

mundo distante do meu (antigo).

Deito-me com pensamentos e lembranças

e durmo. O tempo passa e não me

importo se foram minutos ou horas.

O Sol vai se esgueirando no horizonte,

avermelhado. O Sol já se pôs, meu bem.

E eu aqui te esperando calado.

Mateus Almeida Cunha

Para: F. S.

Pseudo-haicai 130

Haverá um dia em que hei de ser

algo mais do que sou hoje ou do que fui.

Entretanto, este dia está por vir.

Mateus Almeida Cunha

Pseudo-haicai 126

Ninguém passa ileso por uma paixão ou por um amor.

Ninguém fica incólume depois de um sentimento.

A vida não tem volta: simplesmente se vive.

Mateus Almeida Cunha

Alma

Alma: o antônimo da matéria.

O inverso do corpo ou, melhor,

o que o complementa.

Aquilo que não ocupa espaço,

mas necessita dele para existir

e está lá dentro, bem no fundo,

embora não se saiba onde.

Algo sem definição precisa

de caráter metafísico e espiritual.

Há quem creia e há quem não.

Mateus Almeida Cunha

Pseudo-haicai 124

Prolongar a juventude é uma tentativa vã

de reduzir as mazelas da velhice e

postergar a morte que nos espreita sorrateiramente.

Mateus Almeida Cunha

Chama Latente

Chama viva que queima por dentro:

fogo que emerge das vísceras.

Fundo, bem fundo, como se sempre

estivesse estado. Como se sempre fosse.

Como se aquilo que lhe surgisse

aos poucos, embora latente, já existisse.

Poderia até não ter um nome:

coisa que não se sabe, se sente.

Nome? Qual nome?

Era aquilo mesmo:

uma chama latente.

Um coração pulsante,

sangue nas artérias

a irrigar o corpo de

vermelho-rubro.

Fluido que alimenta

a(s) alma(s).

Mateus Almeida Cunha

Pseudo-haicai 120

Uns versos sobre os dias que se foram

ou sobre as tardes que caem não são tão

lúgubres quanto a profundidade das noites.

Mateus Almeida Cunha

Assim Nasce um Amor

Difícil falar sobre quem nos diz

coisas tão belas e nos faz tão bem

por todo o tempo.

Uma vida não me seria suficiente

para expressar o que sinto

quando estamos juntos.

Não sou capaz de, em palavras,

falar o inexprimível, o inenarrável,

o indizível tenta lhe traduzir.

Você é mais que uma música

que toca ao fundo… “Unchained Melody

um Polo Black, uma fazenda…

Muito mais que uma (forte) carapaça,

um motor-trabalho, há um (lindo) coração

de um homem que sempre se mostra presente.

Há algo em seu toque, em seu tom de voz,

em seus gestos sutis que me remetem

ao aconchego de um lar promissor.

A vida não pode esperar,

porque ela está acontecendo agora.

A vida não está: ela simplesmente é.

Mateus Almeida Cunha

Para: Felipe S.

Entardecer I

A tarde cai,

o Sol vai

e ela se esvai

para ceder às

estrelas da noite e

seus mistérios.

A tarde vai,

o Sol cai

onde não há

espaço e

somos contemplados

com uma Lua.

A tarde sai

e o Sol com suas luzes

matizes e lilases

que transitam no

poente-crepúsculo onde

não há horizonte.

Mateus Almeida Cunha

Metapoema ou Metaphora

Observo atentamente a linha que se forma

Na curva do obscuro fato que tento narrar

Como quem ama ou protesta, dentro da meta.

Imito o giro de toda-qualquer-coisa,

Tal qual perco o tino do ego e falo.

E calo. E falo. E choro. E danço.

Sinistrantemente os dedos (me) correm o pouco-papel

Manchando o branco com o preto-sujo-grafite que escrevo

Por ora, tento em vão não ser autobiográfico

Em vão. Na mão. Então não sou: pronto. Ponto.

Pontuo novamente. E fico. E eis que me surge a vertigem

E tento fingir que não vejo o que vejo. E sinto.

E tento fingir que não sinto o que sinto. E vejo.

Desmetricamente desconstruo o poema-imagem

Que todos sonham ler, gostar e sentir. Entender? Talvez…

Catacresemente transbordo pleonasticamente em mim mesmo.

Onomatopeizando o Tum-tum dos meus arrítmicos batimentos estapafúrdios.

Eu crio. Eu finjo. Eu fujo. Eu minto. Eu crio.

Mateus Almeida Cunha

2006/2007

Medo(s)

Hoje acordei com medo e não consegui trabalhar.

Estava (estou) em (outra) crise:

medo de existir, medo da vida, medo de viver.

Medo da morte, acho que nunca o tive.

Se o tive, hoje não me recordo.

Coisas que nunca entenderão.

Mateus Almeida Cunha

[Resgatado de um diário de 17/04/2018]

Pseudo-haicai 117

Brasília, cidade projetada, arquitetada e

urbanizada, que (há tanto) me acolheu

hoje a carrego numa saudosa lembrança.

Mateus Almeida Cunha

Outra Chance

-Fui um inútil nesta (longa) jornada.

Muito pouco, ou quase nada

produzi nesta (difícil) vida.

Ser-me-á dada outra?

Eu a quererei?

Mateus Almeida Cunha

(Talvez) Um Último Poema ou Uma Lápide

“Assim será a nossa vida:

Uma tarde sempre a esquecer

Uma estrela a se apagar na treva

Um caminho entre dois túmulos –

Por isso precisamos velar

Falar baixo, pisar leve, ver

A noite dormir em silêncio.”

[Vinícius de Moraes. Excerto de “Poema de Natal”]

Aos poucos vamos perdendo o brilho,

o viço, o prazer no cotidiano e

as coisas vão tendo um olhar blasé.

Aprendi que os anos passam

e nos tornamos mais exigentes

e, com isso, a felicidade vai se esvaindo.

Não me culpo pela mensagem não enviada,

pelo beijo não dado ou pelo abraço inexistente.

No fundo, somos todos iguais: deixamos para depois.

Mal sabemos que não há depois.

O amanhã pode não existir e

que nós mesmos iremos morrer.

Nesse intervalo, envelhecemos, vamos

ficando frágeis e debilitados até dependermos

novamente de alguém como no início.

Um ciclo infindo: nascer, viver, morrer.

Tudo isso sem se saber quando e por quê.

Há perguntas sem respostas. Mistério.

Os remédios fazem-me efeito por um

curto período de tempo, depois parecem placebos

e nesses hiatos a vida é intolerável.

Desisti abandonar este corpo que habito,

deixar esta alma (se é que ela existe) livre,

abandonar esta vida que me foi dada.

Espero a sorte de ter uma partida breve,

indolor, sem tempo para lágrimas,

lamúrias ou longas despedidas.

E assim cerrarei meus olhos,

num último adeus, sem palavras

ou gestos de ternura de outrem.

E ficará de mim apenas tudo o que

eu quis dizer, mas não o fiz

por não poder ou não querer.

Enfim, este (recomeço) é o fim.

Despeço-me de todos sem saber

se haverá amanhã (ao menos para mim).

Escrevam em minha lápide que fui feliz.

Não, melhor: escrevam que tive muitos

momentos de felicidade. Instantâneos.

Mateus Almeida Cunha

Ouvindo a canção “Años” com Mercedes Sosa e Pablo Milanés.
Aviso: este não é um último poema!

Pseudo-haicai 114

Há dias nebulosos em que vou me deitar

e não tenho a plena convicção de que

vou, na manhã seguinte, querer acordar.

Mateus Almeida Cunha

Beira-mar

Vinha-me de perto o som das ondas

quebrando na praia.

Estava à beira-mar e o marulho

me balançava ondulante.

O agito das águas provocava-me

um misto de maresia e sonolência,

apesar de o Sol estar à pino.

Meio-dia. Meia hora.

Meia vida: uma vida inteira

ou a hora da morte.

(Ouço, ao longe,

as ondas quebrarem

nas pedras.)

Mateus Almeida Cunha

Vinte e Oito

Seus olhinhos vidrados me fitando dormir

me acalentam a alma e me acalmam.

Ele, em meio à minha tormenta, é paz,

porto seguro em que se atraca, cais.

Ele, com gostos campestres, rurais,

enquanto eu sou da cidade, andarilho urbano.

Vinte e oito dias de junho, nossas vidas mudaram

nossos destinos cruzaram e se entrecruzaram.

Mateus Almeida Cunha

Para: F.S., meu atracadouro em meio à tormenta.

Pseudo-haicai 107

Ele me trazia paz e harmonia

quando eu era caos e desordem interior.

Sensitivo, absorvia o que eu sentia.

Mateus Almeida Cunha

Para: F.S., meu porto seguro em meio à tormenta.

Tristeza Indecifrável

Não o entediam pelo fato de ele sorrir,

mesmo estando triste.

Sorria, mas não lhe vinha de dentro:

era superficial.

Seus olhos não sabiam esconder

o que, sem palavras, ele ocultava.

Fazia silêncio, falava baixo

e socializava por obrigação.

Seu desejo era estar só,

longe de si mesmo

como se pudesse transportar

seu corpo de sua alma

repleta de sentimentos indescritíveis

e sensações inexprimíveis.

Ele era, na verdade, eu.

É a mais pura verdade que

“a alegria é o intervalo entre duas tristezas”.

As lágrimas são uma forma da alma sangrar e transbordar.

Apesar do turbilhão de pensamentos

sentia-se vazio, oco, murcho.

Estava ferido e sangrava por dentro.

Era mais forte que eu.

Aos poucos, eu estava morrendo,

como todos estamos.

E no meu sepulcro jazerão eternamente

meus restos mortais.

Mas este coração que estava acostumado a apanhar

encontrou abrigo: um lar.

Mateus Almeida Cunha

Pseudo-haicai 105

Sentia dores crônicas quase diariamente:

ombros, coluna, cóccix, joelhos, pés…

era apenas a maldade do tempo se instaurando.

Mateus Almeida Cunha

O Que Não Viverei

Tenho a certeza de que não verei

meus netos crescerem,

porque, por opção, não tenho filhos.

Nunca tive desejo de tê-los.

Tenho a certeza de que não ouvirei

o próximo estilo musical que

revolucionará tudo o que tivemos,

pois não mais estarei aqui.

Tenho a certeza de que não vivenciarei

os efeitos nefastos das mudanças

climáticas, porque morrerei cedo,

por overdose medicamentosa.

Mateus Almeida Cunha

Marulho sob o Luar

Conversávamos sobre amenidades

e ouvíamos o marulho enquanto jantávamos e ríamos.

Era o mundo e nós: apenas.

Era o nosso o mundo.

Uma noite inesquecível com uma companhia inigualável.

Mateus Almeida Cunha

Para: F.S.

Sem Esperança

Estou só e sinto medo.

Esvazio metade da cartela de ansiosíticos que não me são suficientes.

Deito-me em posição fetal e choro

de tristeza, de dor e de medo.

Feridas na alma ou, melhor, feridas da alma.

Eu fraquejei.

Sinto-me só novamente e tenho medo do futuro.

Só há uma certeza: cedo ou tarde a morte virá.

Esperarei-a. Esperaremos.

Mateus Almeida Cunha

Despedida I

Tenho a esperança

de a vida me levar cedo

e ter uma partida breve,

indolor, sem sentir, aos poucos,

meu corpo degradar-se

até se tornar imóvel e

eternamente jazerei.

Mateus Almeida Cunha

Perturbações

Fiz alguns rabiscos no papel,

mas não eram propriamente anotações.

Eram subterfúgios e divagações.

Rasguei-o e joguei-o fora.

Ninguém, nem mesmo eu, saberá

o que havia ali.

Aquele momento perdeu-se

naquele exato instante.

Mateus Almeida Cunha

Pseudo-haicai 97

Há exatos três anos

foi a nossa última despedida, em vida.

Você se foi cedo demais.

Mateus Almeida Cunha

Para: Nolita Cortizo.

Pseudo-haicai 95

Fitava o vazio com o olhar perdido,

vago, disperso e impenetrável.

Era mesmo uma criatura indecifrável.

Mateus Almeida Cunha

Poema I

Poderia ser uma declaração de amor,

uma carta, um presente,

mas são apenas versos simples.

Eles não traduzem tudo o que penso.

Nestes versos brancos

a transcrição do que sinto

e do que me faz bem:

estar contigo por horas,

por um dia ou por uma vida.

Apenas o tempo (nos) dirá.

Mateus Almeida Cunha

Pseudo-haicai 92

A estrada era sinuosa e chovia.

Era noite, mas não havia escuridão.

Sua vida estava se tornando mais leve.

Mateus Almeida Cunha

Estrela Solitária

Nada mais triste do que lembrar

que o brilho inconstante de uma

estrela solitária que está a anos-luz

da Terra é uma apenas a

luminosidade de algo que

já se extinguiu há muito tempo:

algo morto e não sepultado.

Assim acontece com as pessoas,

quando partem: ficam em nossa

saudosa memória.

Apesar de tudo, saber

que um dia existiram como nós e

agora não mais estão aqui.

Mateus Almeida Cunha

Para ler ao som de “Estrela”, de Gilberto Gil. ⭐️

Pseudo-haicai 91

Estavam se conhecendo mais

a cada dia que passava e sabiam

que viriam mais dias felizes e vindouros.

Mateus Almeida Cunha

Para: F.S.

Pseudo-haicai 87

Havia um ar denso de melancolia

em sua respiração e nos seus olhos

que transbordavam lágrimas reprimidas.

Mateus Almeida Cunha

Dores Crônicas

Sinto dores crônicas no corpo:

articulações inflamadas e enxaquecas

têm se tornado uma infeliz rotina.

Tenho medo do futuro.

Como meu corpo se comportará?

Tenho muito medo do futuro.

Apesar da mudança de médicos,

de fármacos, cortes abruptos de

alimentos e inclusão de anti-inflamatórios

naturais, fitoterápicos, suplementos vitamínicos não sinto melhora.

As dores são crônicas e estou vivendo

um terrível período de dores agudas.

Sobreviverei, mas até quando?

Mateus Almeida Cunha

Repousando, após um difícil dia. Em: 22/07/2021

Sentimentos I

Ele escreveu-me e mandou-me:

Se Aristóteles disse que:

“A memória é o escriba da alma”.

Eu afirmo que seu amor

É o escriba da vida!’

O que poderia dizer senão o que sinto?

E de tanto sentir eu sou mais feliz agora do que o fora.

Apenas sorri, com lágrimas nos olhos de emoção.

Era verdadeiro.

Era real.

Era puro.

Era sobre ele e com ele.

Era ele!

Mateus Almeida Cunha

Para: F.S.

Pseudo-haicai 77

Ele olhou-me fixamente e hesitou.

Não me falou nada, mas li o seu olhar.

Beijei-o, pois sabia o que iria dizer.

Mateus Almeida Cunha

Para: F.S.

Noite(s) Conturbada(s)

É noite e não durmo.

Passo noites em claro

com os olhos abertos e o

pensamento acelerado.

Noites conturbadas

nas quais sou incapaz

de reconhecer-me em mim.

Não sou mais o que fui.

Mateus Almeida Cunha

Ansiolíticos

Tinha a quantidade de comprimidos

suficiente para oito dias de uso diário.

Peguei a cartela de medicamentos

e tomei decididamente cada ansiolítico.

Esvaziei a caixa e me deitei.

Esperei o efeito, mas ele não veio.

Era mais forte do que eu:

um inimigo invencível.

Mateus Almeida Cunha

Pseudo-haicai 74

Escrevo um ensaio sobre a solidão,

releio-o, rasgo-o e jogo-o fora.

Apenas o silêncio para representá-la.

Mateus Almeida Cunha

Abismo(s)

Ele pediu-me uma poesia

leve como a pluma.

Logo a mim, que sou

denso como a bruma.

Algo leve como somos

e como estamos vivendo.

Algo que transmitisse o

cuidado e o carinho mútuos.

Mas eu sou névoa

e profundo como

as crateras oceânicas.

Eu sou abissal.

Mateus Almeida Cunha

Para: F.S.

Minimalismo

A cada dia que passa

escrevo cada vez menos.

As palavras são criteriosamente

selecionadas com a devida significância.

Elas representam cada vez mais

o que sinto e contam o que eu vivo.

Mateus Almeida Cunha

Feridas

Orgulho-me das cicatrizes

físicas e emocionais que trago,

pois elas fizeram de mim

uma pessoa melhor.

Carrego-as escondidas,

pois nem tudo deve ficar à mostra,

embora eu as veja e as sinta

por todo o tempo.

Mateus Almeida Cunha

Escuridão

Olho a escuridão

e ela me observa atenta,

sem piscar ou pestanejar.

Sinto medo ou, melhor,

mais que isso: pavor.

Molho o rosto com lágrimas.

Mateus Almeida Cunha

Visita ao Inferno

Eu que tantas vezes

estive à beira do abismo

por tantas noites brancas

e em outros tantos momentos

visitei o inferno em longas

e angustiantes horas, sobrevivi.

Mateus Almeida Cunha

Pseudo-haicai 68

Os dias com ele são mais leves

e ele sabe fazer valer a pena

cada instante em que estamos juntos.

Mateus Almeida Cunha

Para F.S.

Saudade ou Sob o Luar

Lembrei-me de você com a beleza da Lua.

Você, que diz pertencer à noite,

enquanto eu sou Sol no cerrado a aquecer

os nossos corações.

Enquanto estou longe,

penso nesse inconfundível brilho pálido e vívido a iluminar-te sob este mesmo céu

que nos cobre em lugares distintos.

Mateus Almeida Cunha e F.S.

Motivos ou Sobre a Escrita

Escrevo por ser incapaz de me conter

diante de tanta revolta e indignação.

Escrevo por ter muito a dizer,

mesmo quando o silêncio fala por mim.

Escrevo porque necessito exteriorizar

sentimentos e sensações inquietantes.

Escrevo porque há uma inquietude

angustiante em mim que me aterroriza.

Mateus Almeida Cunha

Pseudo-haicai 45

Eu buscava olhar através das janelas,

mas fiquei surpreso quando as portas

abriram-se e me fizeram transpassá-las.

Mateus Almeida Cunha

Pseudo-haicai 44

Era noite e olhei atentamente para o céu.

Vi estrelas emanando um brilho pálido

e uma lua a me espiar de soslaio, quieta.

Mateus Almeida Cunha

Pseudo-haicai 29

Quando dei por mim

estava completamente imerso

em seus abraços.

ou

Quando dei por mim

estava inteiramente dentro

dos seus braços.

Mateus Almeida Cunha

Pseudo-haicai 23

Ainda tenho a esperança

de qualquer dia desses dormir

e nunca mais despertar.

ou

Qualquer dia desses

tenho a esperança de dormir

e nunca mais despertar.

Mateus Almeida Cunha

Pseudo-haicai 22

Há pessoas que morrem

e não superamos a perda.

A dor só aumenta.

Mateus Almeida Cunha

Para Nolita Cortizo. Sempre presente em lembranças.

Autoviagem

Neste caminho entre dois mundos

como disse Guimarães Rosa;

“A coisa não está nem na partida, nem na chegada. Ela se dispõe para a gente é na travessia”.

Viajar é encontrar-se consigo:

não apenas durante a viagem per si,

mas no trajeto entre a origem e

o destino.

Destino: palavra que não existe

em meu vocabulário para a vida que segue,

visto que nós a fazemos e não ela nos é predestinada.

Quantas decisões sobre a vida foram tomadas no avião, no carro, no ônibus, no trem, na lancha ou na bicicleta?

Quantas mágoas voltaram à tona ou quantos amores foram lembrados?

Quantos amigos, que o caminho sinuoso da vida decidiu afastar foram lembrados?

Quantas lágrimas foram… quantas se foram… quantas serão… e quantas estão a cair?

Por que este céu negro da noite não me embala o sono?

Por que estas estrelas, cujas luzes cintilam o que se chama poeticamente de esperança não me afetam?

Por que esta impiedosa distância que separa duas pessoas que se amam não se reduz ao ínfimo?

Por que não abandono a vida fútil e tributável que sou obrigado a viver pela Vida que escolhi?

Não, não me façam de sonhos as promessas que me passam agora pelo pensamento.

Não, não me abandone a certeza de querer o que optei por falsos salários que não me trazem alegria.

Não, não me roubem a alegria incomensurável de outra vida quando essa também me é.

Não, não me tirem de mim meu outro eu, quando juntos somos mais que nós.

Somos muito,

somos muitos,

somos todos,

somos nós,

somos.

Esta estrada me persegue em constantes despedidas

e adeuses

e silêncios

e afetos

e promessas

e partidas.

Partido como estou,

como fico quando vou

ou quando volto.

Fadado a isto: autoviagens

navegando-me em mim.

Afogo-me neste mar

de mim.

Mateus Almeida Cunha

Pseudo-haicai 4

O quadro, fixado na parede,

pintado pela amiga que agora jaz

eterniza sua memória viva.

Mateus Almeida Cunha

Para a amiga Lôla Serrano.

Doação Carnal

Entreguei-te um pedaço de mim:

meu coração.

Saiba usá-lo bem,

pois não possui manual de instruções.

Ele sabe apenas sentir

e dar-se por inteiro.

Mateus Almeida Cunha

Existência

Hoje está vazio aqui dentro,

mas ao menos não há inquietação:

apenas a ausência de tudo.

Eu existo e resisto.

Mateus Almeida Cunha

Lábios

Seus lábios macios, úmidos,

ao tocarem os meus

parecem ter o casamento perfeito:

uma sintonia única.

Nada mais há para ser dito:

apenas a sensação suave

das bocas unidas

e o momento que parece eterno.

Mateus Almeida Cunha

Rótulos

Guarde rótulos para produtos,

não para pessoas.

Eu quero a liberdade sem definições

ou preconceitos.

Eu sou simplesmente eu

e sou livre. Isso me basta.

Mateus Almeida Cunha

A Morte de Outrem

Hoje tive medo da morte.

Não da minha, mas da de outrem.

De pessoas queridas, da família, dos amigos.

Deitei-me e esperei: nada posso fazer

sobre a vida. Quanto ao tempo?

O tempo.

E a morte a nos esperar.

A rondar.

Mateus Almeida Cunha

Luar I

A Lua tem essa coisa, assim como o Sol,

mas mais que ele:

de iluminar as pessoas com seu brilho

ainda que em lugares distintos.

A Lua nos cobre com esse luar pálido,

e frio, trazendo conforto e nostalgia:

como se fôssemos seus filhos distantes

querendo voltar para casa.

Uma Lua cheia sempre a nos seduzir

em olhares vãos no espaço (sideral):

um olhar vazio, perdido e instrospectivo

como se eu fosse mais eu (que antes).

Uma Lua distante, como se irradiasse paz

na forma de uma luz lânguida e fria

a esperar um ano que virá vazio. Será?

Mateus Almeida Cunha

Canavieiras (BA), 31/12/2017 e 1º/01/2018

[Sem Título – 11/04/2021]

Peguei-me pensando no jeito que me olha,

devorando-me por inteiro e, ao mesmo tempo,

(contraditoriamente) demonstrando candura.

Seu toque é sutil e firme: único e inconfundível.

“Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo que existe.”

E estes olhos claros a me despir a alma…

Mateus Almeida Cunha

Citação de “O Haver”, de Vinícius de Moraes

350 Mil Vidas

Silêncio pelas 350 mil vítimas da covid no Brasil

e respeito pelos que estão lutando pela vida.

Mateus Almeida Cunha

Nuvens

Pairam no céu sobre nossas cabeças,

do alto, nos observam como grandes olhos

que (quase) tudo vêem.

Dançam, flutuam e se mostram imponentes

sob o Sol ou sob a Lua. Dia ou noite.

São voláteis, as nuvens.

Mateus Almeida Cunha

Olhos Claros ou Olhar Penetrante

Ele foi observador e percebeu minhas afinidades.

Enviou-me uma mensagem com cartas literárias lindíssimas

como um pretexto para continuarmos a conversar

sobre afinidades e nosso universo em comum.

É de poucas palavras, mas sabe-as usar com uma precisão cirúrgica invejável.

Tímido, seu olhar de olhos claros é terno e, ao mesmo tempo, penetrante.

Parece que consegue adentrar minh’alma e ler meus pensamentos.

Por vezes esse olhar me desconcerta, mas não me provoca mal-estar,

pois quando fala sua voz suave e melódica parece-me uma bela música.

Mateus Almeida Cunha

Hospital

Eu vi todos aqueles rostos tristes,

apáticos, sem brilho no olhar.

Havia pouca vida naqueles leitos

de tratamento contra a covid.

A ala daquele hospital estava cheia de

pacientes cujos olhos temiam a morte.

Salvador, 06 de abril de 2021 – após ter entrado no Hospital Santa Izabel

Mateus Almeida Cunha

Exorcismo I

Eu precisava escrever
para exorcizar os espíritos maléficos
que existiam em mim.
Talvez fosse apenas um espírito.


Mas, naquele dia era diferente,
porque não eram quaisquer espíritos:
era o meu próprio medo.
Era eu contra mim mesmo.


Ele me apoderava
numa tristeza súbita,
inexplicável e inenarrável.
Indescritível.


Era como se eu fosse morrer
e tivesse medo de existir,
porque minha própria existência
estava em estado inconstante de êxtase.

Mateus Almeida Cunha

Hipnose

Hipnotizo
Mimetizo
Idealizo
Otimizo
Realizo
Mentalizo
E fico a pensar num sorriso.

Mateus Almeida Cunha

Fármacos

Já nem sei contar por quantas crises passei

quantas sessões extras de terapia eu frequentei

e quantos sorrisos eu fingi

quando o que eu tinha eram lágrimas

a me transbordar incontrolavelmente.

Eu sobrevivia.

Já nem sei quantos fármacos tomei,

quantos comprimidos ingeri

ou quantos miligramas de psicotrópicos

diluíram-se no meu sangue nessa última década.

Eu sobrevivi.

Já não sei quantas vezes adentrei aquele consultório

e quantas receitas brancas, azuis e amarelas me foram dadas.

Ela me enviou um relatório médico que dizia:

“espectro bipolar. Episódio atual depressivo”.

Eu sobrevivo.

Já não sei quantos testes de adaptação eu fiz com

tranquilizantes, ansiolíticos, estabilizadores de humor, antipsicóticos, indutores do sono e antidepressivos.

E o lítio que me dá uma sede tremenda.

Eu sobreviverei.

“E algum remédio que me dê alegria”

[Citação de “Todo Amor que Houver Nessa Vida”]

Em: Janeiro de 2021

Mateus Almeida Cunha

Cinco Cidades

Em cada cidade que passei,

ao menos um encontro,

histórias de vida distintas ouvidas,

sorrisos e carícias.

Em cada cidade que passei,

ao menos um pedacinho de coração

deixado em outra pessoa

e promessas de reencontros.

Em cada cidade que passei,

a alegria de viver intensamente

cada instante, cada lugar, cada pessoa

e cada momento inesquecível.

Aeroporto de Guarulhos (SP), 20/02/2021

Mateus Almeida Cunha

Atividades Remotas ou Home Office

A máquina de lavar centrifugando

O liquidificador batendo

O filho que chora

A comida por fazer

O cachorro a latir

A campainha que toca

A internet que oscila e cai

A energia que falta

A panela de pressão

A televisão ligada

O micro-ondas que apita

O vizinho que grita

A reforma do banheiro

O aspirador de pó ligado

Ruídos e outras intercorrências domésticas.

Mateus Almeida Cunha

Necessidade

Só necessito desse seu amor,

do seu olhar meigo e terno

e das nossas vidas juntas

até o fim dos nossos dias.

Mateus Almeida Cunha

Manhã no Farol da Barra

Sentado, fico a observar o mar,

e o Sol a se esconder entre as nuvens.

Barco a vela, navios… miragens.

O Forte de Santa Maria a me espiar

e o Farol a me absorver.

As pedras brotam do mar, rudes, magmáticas

Semi-ocultas

Mas não (me) passam despercebidas.

Ondas, quase não há:

um mar calmo a se admirar.

Paisagem litorânea:

coqueiros, amendoeiras

e até me parece ser um cajueiro

em frente àquela casa.

Três-mosqueteiros-pardais ciscam na grama

e parecem ignorar minha presença.

Em meio ao céu claro, o Sol, as nuvens a dançar…

Os edifícios seculares (s)urgem na paisagem da cidade,

onde as construções antigas mostram sono e cansaço,

em meio a tantos ruidosos veículos a passar

por entre as ruas, e avenidas, e calçadas

com os calçados dos pedestres.

O motor do barco que passa se aproxima,

enquanto o navio parte junto ao outro barco.

Ao longe, ilhas, num mar a não se acabar,

na paisagem da Bahia.

Os outros passam, caminham, correm

e sentado fico a observar a cidade que (me) observa,

entre os habitantes desconhecidos que (me) passam.

Bahia, baía

Que entre tantas aqui és minha

Faz-me feliz ao contemplar sua vida

Bahia, baía

Hei de em seus braços morrer

Para eternamente ressuscitar.

Na imensidão do azul-céu refletido no azul-mar

Mateus Almeida Cunha

Café

Para o café-da-manhã, café.

Para o pós-almoço, café.

Para o lanche da tarde, café.

Para o início da noite, café.

Para despertar, café.

Para dormir, café.

Café, bebida versátil.

Mateus Almeida Cunha

Intensidade

Não importa o quanto dure,

mas que enquanto permaneça

seja único, por inteiro e intenso.

Mateus Almeida Cunha

Lascívia

Gosto dos seus olhos atentos a me observar,

enquanto percorre meu corpo com sua língua

descobrindo minhas partes íntimas com lascívia.

Mais que o fogo, queima e

arde-me mais que a brasa.

Quente, quente: é desejo.

Vinha de baixo, do pau.

Vem-me de dentro e se avoluma

quando roço meu corpo no seu, nu

e fico com o membro hirto pronto para o sexo.

Insaciável que és quer sempre mais.

Eu não resisto e cedo: o seu gozo faz-me ir ao delírio

E me satisfaço plenamente contigo.

Mateus Almeida Cunha

Sobre o Amor Livre (e Universal)

Há tantas coisas que podem ser escolhidas, mas outras não. Não se pode escolher com quem haverá uma atração, de quem se gostará ou de quem se amará. O amor é muito mais que um sentimento. Ele é uma conquista, uma sedução, um flerte, uma paquera, um lance, uma pegação, um sexo casual, uma paixão e, a partir daí, evolui-se para o amor. Ah, o amor! Que delícia!

É irrelevante a idade de quem se ama, sua cor, sua raça, seu gênero, seu sexo. As histórias de vida de cada um vão, aos poucos, se entrelaçando em teias. Descobrem-se afinidades culturais dos mais diversos tipos. E assim vive-se o amor em sua plenitude.

O que vale mesmo nessa vida é ser feliz.” [Renato Russo]

Mateus Almeida Cunha

O Toque

Duas mãos trêmulas se encontram e se acariciam.

Primeiro, o medo do toque. Depois, o ato.

Muito mais que isso: havia um desejo mútuo.

Os dedos se entrelaçam com destreza,

e apesar deles serem recém-conhecidos

parece que conviveram há anos.

As mãos se encontram e não se bastam:

é preciso que haja a troca de fluidos

e um corpo adentre o outro corpo.

Entre tantas outras pessoas, esse encontro.

E como os corações (ainda) não podem se abraçar,

as mãos o fazem e tentam cumprir essa lacuna.

É no toque que as almas se (re)encontram:

e parecia que estavam num único corpo.

Foi assim que eles se (re)conheceram.

Para F.I, pelo nosso (re)encontro.

Mateus Almeida Cunha

Entre(olhares) ou Um Instante

Seus olhos ternos, meigos, interessados,
me observavam de forma aficionada
enquanto conversávamos por horas
e eu divagava sobre frugalidades e cultura
e você me contava sobre sua vida e suas percepções.

Nós nos entreolhamos com um único desejo
e nos entregamos num beijo ardente, único.
Parecia que o mundo havia deixado de existir:
éramos apenas nós dois e nossos corpos
naquele momento etéreo.

Nos fundimos em um único corpo,
numa única alma, num único ser:
éramos apenas nós dois e nossos desejos.
O tempo parou para nós.
A vida não dura mais que um instante.

Mateus Almeida Cunha

Outra Vida

“Se um dia eu pudesse ver / Meu passado inteiro / E fizesse parar de chover / Nos primeiros erros”

Precisava estar mais comigo do que nunca. O silêncio era tudo o que precisava hoje. Desliguei o celular por algumas horas e peguei um livro contendo uma coletânea de frases de Clarice Lispector. Identifiquei-me com cada frase lida. Fiquei só e transcendi minhas ideias. Pensei sobre a vida: o passado, o presente e o futuro. Estive2 absorto em meus pensamentos. Não senti fome e comi por necessidade. Remexi escritos do passado, olhei fotos, fiz projeções, idealizei e chorei.

Uma canção está tocando: “I close my eyes / Only for a moment / And the moment’s gone / All my dreams / Pass before my eyes, a curiosity.” Estes versos nunca fizeram tanto sentido quanto hoje. E o momento se foi. Ainda ouço ecos: “And the moment’s gone… And the moment’s gone … And the moment’s gone… And the moment’s gone…”

Saramago escreveu em seu livro Claraboia: “Afinal, perdi-me no caminho. Tudo estaria bem se não adivinhasse a existência de outros cami­nhos, ocupado em afastar os obstáculos do meu. A vida que escolhi é dura e difícil. Aprendi com ela. Está na minha mão deixá-la e começar outra. Por que não o faço? Por gostar desta? Em parte. Acho interessante fazer, conscientemente, uma vida que só́ forçados outros aceitariam. Mas não basta, esta vida não me basta. Qual escolher, então? Ser “casado, fútil e tributável”? Mas pode ser-se cada uma destas coisas e não se ser as restantes! E depois?”. Concordo com ele: esta vida não me basta. Preciso de outra. Mais que isso, necessito. Ela urge!

Há algum tempo, na sessão de terapia, fui perguntado sobre o que eu mudaria em minha vida. Imediatamente respondi que mudaria tudo: mudaria toda a minha vida. Seria capaz de ter outra vida ou de viver outra vida complemente diferente desta. Falei sobre aquilo de forma muito natural e espontânea. De fato, após reflexões profundas, constatei que aquela resposta dada por ímpeto estava mais que correta: eu seria (serei) capaz de mudar toda a minha vida. Sim, eu quero uma vida nova. Eu preciso. Mudamos constantemente e não sou mais aquele que fui ontem, ou no ano passado. Crescemos internamente, amadurecemos.

É verdade que, às vezes, perdemos o tempo (“time”) de algumas coisas. Será que, naquele momento, éramos capazes de enxergá-las? Depois de um tempo percebemos que o momento se foi. Entretanto, é possível revertê-lo. Mas há coisas em nossas vidas que não dependem exclusivamente de nós. Sim, estaria disposto a recomeçar uma outra vida. Nunca é tarde para recomeçar, quando se está disposto a isso. Como disse Clarice, “um homem um dia tinha que arriscar tudo”. Sim, é tempo de mudanças.

Mateus Almeida Cunha

Domingo Rubro

Enquanto enviava mensagens para uma amiga, ouvia uma canção que provavelmente é da década de 1990 que dizia: “Meu coração / Meu coração é vermelho, hei, hei, hei / De vermelho vive o coração, ê, ô, ê, ô”. Alguns versos da música que ouvia tinham tudo a ver com o que eu fazia aos domingos, e em especial neste domingo, carregado de melancolia e saudade. Os domingos, para mim, são carregados de sentimentos e meu coração sempre sangra. Sempre gostei de remexer arquivos com fotos, embora não saiba lidar muito bem com a ideia de que elas mostram pessoas que não estão mais entre nós. Tenham partido para sempre ou simplesmente pelo fato de não termos mais contato com elas. Ou seja, não fazem mais parte de nossas vidas.

Sem saber o que estava ouvindo no momento, Vanessa me afirmou que “a gente passa por muitas mudanças (…) e que aí ocorrem os encontros e desencontros”. Assenti reiterando que mudamos todos os dias, todo o tempo. As fotos que mandei para ela provavam isso e, principalmente, as fotos que eu não sabia da existência. E como mudamos. Sempre! Não me refiro às mudanças meramente físicas, mas às internas. Todos os dias quando vou dormir percebo que não sou mais aquele de quando acordei na mesma manhã. O processo de mudança é interno e doloroso. Creio que isso nos torne pessoas melhores, apesar de tudo. Enquanto isso, meu coração continua sangrando porque ele “é vermelho”.

Mateus Almeida Cunha

Nostalgia (ou O Que Não Vivi)

A solidão anda batendo à porta

e começo a sentir saudade do que não vivi.

O passado eu já vivi, mas quanto ao futuro?

O passado me pertence, mas o futuro…

Ah, o futuro! Dele, nada se sabe.

Acordei nostálgico, porém uma nostalgia diferente:

sobre o que virá. Sim, sinto saudade do que está por vir.

Mas, como senti-la se, por definição,

a saudade é do que já foi e não do que está por vir?

Tempos estranhos esses que estamos vivendo.

Ou, melhor, vida estranha essa que estou levando.

Mateus Almeida Cunha

Desconstrução

Todo o tempo desconstruímos ideias, coisas, pessoas, lugares…

Sensações nunca antes sentidas perpassam os nossos corpos

e transbordam nossas cabeças de novas teorias ou hipóteses.

Confidencio a mim mesmo que não vou me abalar.

E, mais que isso, faço-me promessas que, no âmago,

sei que não vou cumprir.

Falseio comigo e faço-me juras em vão.

Depois, no banho, eu choro e minhas lágrimas se juntam

à água que escorre pelo ralo e leva momentaneamente

meus pensamentos vãos, meus devaneios.

Eu me calo, oculto minhas divagações

e não sei mais quem eu sou:

eu sou o outro.

Mateus Almeida Cunha

Depois de Um Tempo

Depois de um tempo a gente vai se acostumando com as coisas.

Depois de um tempo o que nos abalava fortemente vai deixando de fazer sentido.

Depois de um tempo vamos perdendo um pouco da alegria

e depois de um tempo também vamos ganhando mais alegria.

Contraditória, como a própria vida é: como somos.

Mateus Almeida Cunha

Um Copo d’água, Duas Pedras de Gelo e um Rivotril (ou Como o Domingo nos Deprime)

Clarice Lispector tinha razão quando disse que o domingo era oco (ou algo do tipo). Sinto isso por dentro. Ou melhor, deixo de senti-lo. É como se não mais estivesse em meu corpo e minhas ideias vagassem por um campo melancólico incapaz de exprimir-se em palavras. Sou todo sentimentos. Ah, e como eu queria – por um instante apenas – deixar de lado esse sentimento carregado de tristeza e sentir a alegria por estar vivo e com saúde. E como disse a escritora aqui mencionada, “há horas em que não se quer ter sentimentos”.  

Parece-me que, para esses momentos, é necessário deixar de permitir que as ideias pessimistas te invadam, para que elas não te sufoquem. Poderia meditar, caso eu soubesse. Como não sei, recorro ao Rivotril. E um copo d’água com duas pedras de gelo, é claro, porque não sou besta nem nada.

Domingo, por que és assim? Por que nos traz pensamentos tão nefastos e por que nos faz refletir sobre situações que ocorreram há dois, três, cinco ou, pior, dez anos? Por que (praticamente) nos obriga a olhar aquelas fotos do passado, com amigos que desapareceram de nossas vidas? De amores que se foram… De familiares que faleceram… De viagens que nunca mais faremos…E faz-nos projetar (ou imaginar) coisas que certamente nunca acontecerão. E assim chega a crise de ansiedade e o domingo nos deprime.

Mateus Almeida Cunha

A Hora da Morte

Somos feitos de tristeza, lembranças e saudade.

E quando a morte me vier, que seja breve e indolor.

Enquanto isso, esperemos indóceis.

Apesar de tudo, vive-se.

Mateus Almeida Cunha

Crônica: Sobre o Tempo I (ou Estamos Morrendo Lentamente)

Acordei quase meio-dia e sem vontade de me levantar. Acordei, mas ainda não despertei, embora já sejam quase 16h. É bem verdade que estou à flor da pele, como costuma-se dizer quando estamos com as emoções afloradas. Lembrei-me de Belchior cantando (e afirmando) que “o tempo andou mexendo com gente, sim”. Talvez seja isso: sim, o tempo está passando. Sim, estamos morrendo lentamente dia após dia. Não adianta pensar que estamos vivendo, pois cada dia que passa é um dia a menos na nossa contagem efêmera na Terra.

Com isso, lembro-me também de uma frase que ouvi há muitos anos, que me afirmaram ser de Michel Foucault, mas que nunca conferi a veracidade e diz: “o que estamos fazendo de nossas vidas?”. Não tenho a resposta para isso e talvez nunca a tenha, por mais sessões de terapia que eu faça. Ninguém nunca a terá. Sim, meu viés existencialista está me destruindo hoje.

É Dia dos Pais e passa um filme em minha cabeça sobre as minhas memórias mais profundas (sendo redundante) de tudo o que já vivi. As melhores memórias afetivas com minha família, em especial com meus pais e minhas irmãs. Faço um retrospecto da vida de meus pais e percebo que, na idade que tenho agora (33 anos), eles estavam casados, com filhos (ou seja, uma família formada), um carro e um imóvel financiado. Tudo o que sempre a sociedade tentou nos empurrar sobre a ideia de felicidade. Ah, sim… faltou um animal de estimação (preferencialmente um cachorro ou um gato).

Talvez seja mesmo esse estilo de vida americano (“American way of life”) dos filmes antigos. Mas a minha geração – e posso dizer que é algo quase de regra daqueles que tem entre 25 e 35 anos – é diferente das gerações anteriores. E é por isso que meus contemporâneos são “campeões” em fazer terapia: para saber lidar com essas (e outras tantas) frustrações de um estilo de vida ideal imposto pela sociedade.

É bem verdade que a vida está passando e que estamos envelhecendo. Surgem as primeiras marcas do tempo: o rosto perde parte de seu viço, surgem alguns fios de cabelos brancos e o corpo sofre uma leve modificação. Apesar de tudo, não troco minha forma física atual pela que tive no passado (em especial, na adolescência). Estou feliz com o que sou (e como estou) hoje. O passado deixou suas marcas em mim e as carrego com orgulho. É impossível não fazer diversas associações ao escrever este singelo texto, na forma de reflexão. Com isso, lembrei-me de Vladimir Maiakóvski, quando afirmou que “não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes?”. Não é verdade?

Mateus Almeida Cunha

Finais (ou Recomeços)

Os finais nem sempre são felizes,

mas não deixam de ser finais.

Os finais nem sempre são o que queremos que sejam,

mas não deixam de ser finais.

Os finais nem sempre são tristes,

porque neles sempre há um recomeço.

E é por isso que são dolorosos:

por serem finais.

Mateus Almeida Cunha

O Vazio (ou Gaveta Vazia)

O vazio se esconde em gavetas desocupadas,

em mentes turbulentas e

cheias de lembranças do passado.

Quanto ao passado… o passado!

Não se pode apagar ou mudar o que se viveu.

As lembranças nos transportam para longe, no tempo e espaço.

Apenas um sorriso de canto de boca sobre os bons momentos

irreproduzíveis no presente, e lágrimas a lhe escorrer o rosto,

de alegria inenarrável. É o indizível.

Apenas se sente e nada mais que isso.

Porque nem toda lágrima é de tristeza e

a saudade é mestra nesse aspecto.

A saudade é a dor que carregamos

em nossos pensamentos conturbados:

uma singela lembrança do que se foi.

Um momento incapaz de se apagar.

Mateus Almeida Cunha

O Indizível (ou O Silêncio)

“O tempo andou mexendo com a gente, sim”

Há dias em que o silêncio fala mais

do que tudo o que possa ser dito.

Para aquelas frases não ditas, o silêncio

e nele a reprodução do indizível.

Porque o silêncio pode ser

a tradução de um grito ensurdecedor.

Enquanto me faltam palavras

ou quando elas não me bastam,

silencio em profunda inquietação.

Mateus Almeida Cunha

Citação de “Comentário a Respeito de John”, de Belchior.

Reconstruir-se

Em quantos pedaços hei de juntar-me?

Em remendos, vou me reconstruir

como um novo (outro) eu.

Não será fácil, mas hei de recompor-me.

Com as sobras de ontem, reconstruir-me-ei

mais forte que nunca,

como se nunca tivesse estado partido.

Mateus Almeida Cunha

Como Estamos Convivendo com a Pandemia (ou Estamos Todos Surtando)

É um fato que a pandemia causada pelo COVID-19 está trazendo transformações profundas (externas e internas) em todos nós, mesmo para aqueles que acham que isso se trata de um delírio coletivo. Tolinhos! Sim, estamos vivendo uma época crítica neste fatídico ano de 2020. Estamos aprendendo a lavar as mãos. Sim, parece que não sabíamos (até então) como lavá-las corretamente.

Ir aos mercados parece ser um processo pré-guerra: máscaras, ok; álcool em gel, ok; luvas, ok; relação de compras essenciais, ok. E aguardar as enormes filas de entrada com o seu respectivo espaço entre as pessoas. Poucas pessoas por família: apenas o mínimo! Chegar em casa e não tocar em nada, retirar os calçados, higienizar as compras, tomar banho… Ufa! Não necessariamente nessa ordem, mas algo mais ou menos assim.

Estamos mudando (para melhor) os nossos hábitos de higiene, chegando ao cúmulo de passar álcool em gel na própria embalagem do álcool em gel. Isso também é válido para as sacolas de supermercados, farmácias etc. que as estamos higienizando com uma solução caseira de água sanitária ou outros tipos.

Quanto ao celular! Ah, o celular. Banhos e banhos de álcool em gel antes de usá-lo e depois de usá-lo. Este parece ser o que mais sofre. Lavamos bem as mãos antes de pegá-lo, higienizamos ele e depois lavamos as mãos novamente para que elas voltem a ficar bem limpas. E as máscaras? Ah, as vemos de todos os tipos: lisas, estampadas, floridas, comuns, com sorrisos, carrancudas… parece que a imaginação é o limite! O que importa é usá-las adequadamente.

Não estamos mais fazendo ou recebendo visitas. Estas terão de ficar para depois da pandemia. Idem para as comemorações de aniversário que passaram a ser virtuais (assim como os encontros dos amigos e as reuniões de trabalho). Quantos casais estão se redescobrindo nessa convivência diária forçada e estão cada vez mais próximos ou relacionamentos estão acabando pelo excesso de convívio? Ou mesmo o contrário: pela falta do convívio os relacionamentos estão acabando. Cada um está tentando se reinventar e se redescobrir. Até as aulas que eram presenciais estão sendo pela internet (on line). Até as sessões de terapia (psicólogos) estão sendo virtuais.

Também estamos nos redescobrindo. Estamos descobrindo novas habilidades (e aptidões) que tínhamos e não sabíamos ou mesmo que sabíamos delas, mas que não eram exploradas. Nesse momento surgiram os vídeos ao vivo (“lives“) de cantores famosos, pouco conhecidos ou mesmo desconhecidos. Compositores também estão no seu ápice de criatividade. Também surgiram as lindas ilustrações de desenhistas-natos, que estão se oportunizando. Além disso, estamos lendo textos maravilhosos de escritores consagrados que antes nunca os elegemos como prioridade e surgiram publicações de novos autores (pouco conhecidos ou mesmo desconhecidos). Poderia citar mais uma dezena de exemplos, mas seria repetitivo.

O mais estranho é que a pandemia é intrínseca à espécie humana. Ela parece ser seletiva. O planeta quer nos avisar de/sobre algo. A ciência discorre sobre as Cinco Grandes Extinções (em massa) que ocorreram na Terra desde os primórdios. Será essa um prelúdio para a Sexta Extinção?

Enfim, será impossível sairmos incólumes/ilesos dessa pandemia. Estamos aprendendo (e precisamos aprender) algo com ela. Precisamos sair bem e sairmos melhores. Vamos usar esse tempo para nossa melhor transformação: uma metamorfose. Caso contrário, estaremos todos surtando. A vida nunca mais será como antes. Nunca mais. Nunca!

Mateus Almeida Cunha

Os Anos

Um silêncio sepulcral a nos separar.

Um silêncio velado que apenas nós sabemos.

Um silêncio arrebatador e dilacerante.

Um silêncio que não posso me calar.

Um silêncio por todos estes anos.

Mateus Almeida Cunha

Amostra do livro “Para Não Morrer de Amor”

Redes sociais

Prezados(as) leitores(as),

gostaria de divulgar o livro (e-book) de poesias que recém-publiquei na Amazon. Por enquanto só está disponível o formato eletrônico (digital).

Para quem não tem Kindle, é possível lê-lo pelo celular, tablet ou computador apenas baixando o aplicativo (app) “Kindle” e comprando o livro na Amazon.

Segue uma PEQUENA amostra de parte do livro:

PARA NAO MORRER DE AMOR_ – AMOSTRA_40p

Para adquirir a versão completa (cerca de 200 páginas) visite o site da Amazon:

 

Crônica: Um Dia

Nascemos, balbuciamos, engatinhamos, brincamos, falamos, andamos, lemos, estudamos, apaixonamos.

Num dado momento, chega-se a um dia em que não somos mais os mesmos. Chega-se a primeira paixão e surge a ansiedade pelo primeiro beijo. Chega-se ao dia da primeira sessão de cinema sem os pais. Chega-se a um dia em que se pode dormir até tarde. Chega-se ao dia da primeira mesada. Chega-se ao dia da primeira festa de quinze anos da colega da escola. Chega-se a um dia em que nossos pais são padrinhos de casamento e nos levam para as festas e comemos doces. Chega-se a um dia em que passamos a ter mais sentimentos e choramos por isso.

Beijamos, transamos, amamos, discutimos, brigamos, trabalhamos, pagamos, viajamos, choramos e estudamos novamente.

Chega-se a um dia em que vamos sozinhos para as festas e bebemos as primeiras garrafas de álcool. Chega-se ao dia em que se recebe o primeiro salário e se faz a primeira declaração de renda. Chega-se a um dia em que a cama de solteiro não mais lhe representa. Chega-se a um momento em que temos mais de dez senhas e que conhecemos todas as siglas: RG, CPF, INSS, IPTU, IPVA. Chega-se a um dia em que as faturas dos cartões de crédito sabem nossos endereços e vêm em nossos nomes. Chega-se a um dia que o preço do combustível faz sentido e o aumento do salário mínimo vai mexer na sua vida. Chega-se a um dia em que é preciso optar pela diarista ou pela empregada. Chega-se a um dia em que se precisa pedir licença do trabalho para esperar, em casa, o fogão novo ou o eletricista. Chega-se a um dia em que não se sabe o que fazer. Chega-se a um dia em que choramos pelos nossos sentimentos e tentamos escondê-los.

Adquirimos, compramos, vendemos, alugamos, emprestamos, estudamos e trabalhamos mais uma vez. Aposentamos e enterramos. Ah, e choramos muito mais.

Chega-se a um dia em que as horas voam, os dias correm, os meses passam e os anos não se parecem mais tão longos. Chega-se a um dia em que é comum dizer que não via Maria há mais de cinco anos. Chega-se a um dia em que é um orgulho dizer que João é seu amigo há mais de dez anos e que Tereza é sua amiga de infância. Chega-se a um tempo em que quase todos os seus amigos noivaram, casaram, tiveram filhos. Chega-se ao dia em que somos padrinhos de casamento. Chega-se a um dia em que se percebe que nossos pais estão envelhecendo e nós é quem os levamos para passear. Chega-se ao dia em que deixamos nossos filhos nas festas de quinze anos das colegas de escola. Chega-se a um dia em que o pai de seu amigo morreu e os cemitérios são compromissos sociais. Chega-se ao dia em que perdemos os nossos pais. Chegam-se a muitos dias em que choramos. Ah, e como choramos.

Chega-se ao dia da nossa aposentadoria. Chega-se a um dia em que não se chega a mais nada. Os dedos tremem e as mãos fraquejam. As pernas tremulam e os órgãos sentem o cansaço. Os olhos lentamente cerram. Chega-se a hora e não chegamos a mais nada: a morte vem silenciosa e nos abraça para sempre em seu leito.

Salvador, 07 de maio de 2015

Mateus Almeida Cunha

Amor XXV

Você é o homem de minhas vidas.

O homem que não conhecia, mas que me reconheci.

O que me faz mostrar meu melhor (e meu pior) de mim.

Enfim, o que me faz ser eu.

Mateus Almeida Cunha

Amor XI

Esta outra vida que me foi confiada para cuidar

como uma pétala, frágil, embora estivesse perdida sob sua própria sombra.

Uma outra vida que crescia sem saber de minha existência,

expirando liberdade e inspirando a necessidade de abrigo de uma só pessoa.

Esta vida.

Ávida.

Mateus Almeida Cunha

Amor X

Na inexistência de reencarnação

e na impossibilidade de ser

o amor de minhas vidas,

que seja-o desta.

Não por obrigação,

mas por desejo e vontade.

E como lhe desejo

hoje e sempre

e tanto.

Agora.

Mateus Almeida Cunha

Amor VIII

Quanto ao amor?

Deixe-o ir

E se não for amor,

que se vá.

O que eu quero é liberdade

O que eu quero é o vício de corações que cativo

Libertos

 

Sobre o amor?

Deixe-o aqui.

E se for amor,

Que fique.

O que eu quero é prisão

O que eu quero é o vício de escravos que cultivo

Libertinos.

 

O amor?

Deixe-o ir.

E que se não for amor…

Que se foda!

Mateus Almeida Cunha

Amor VI

Ao ver-lhe assim, partido em mil,

em mim, em dois, sem mim, assim,

tive de voltar.

Com o coração em pedaços, parti.

Vi minha metade encrustada na sua.

Minha vida, na sua.

E dois corações que choravam sangue a lubrificar os corpos.
Parti com a certeza do retorno.

Mas que culpa tenho eu, senão a de corresponder ao seu amor?

Ao nosso amor

único.
Hoje, estas dores que carrego são menos intensas que as de outrora.

Um outro não resistiu para que você surgisse.

E você brotou e cultivou-me e fez-me florescer.
Essa distância-dor que me atravessa, me (re) parte,

deixa-me em frangalhos.

Maldita ausência.

Precisamos de um outro lugar onde não haja distância

e a saudade seja apenas uma lembrança de si mesma.

Saudade,

invade.

Mateus Almeida Cunha

Amor IV

Pode vir apenas com o coração,

pois só dele eu preciso.

Por inteiro.

Mateus Almeida Cunha

Solidão XXVII

Talvez tenhamos sido mais fortes num tempo remoto, longínquo, onde hoje não mais lembre que um dia existiu.

Talvez não quiséssemos ter chorado naquela(s) noite(s) solitária(s). E foram, são e serão tantas…

Talvez tenhamos sido fracos ao dar asas à imaginação e alimentar paranóias (in)fundadas.

Talvez nossas vozes não tenham sido escutadas por ninguém mais além de nós.

E quem somos nós além de essências de algo que ainda não conhecemos (ou não queremos conhecer) integralmente?

Talvez eu devesse ter resistido à própria vida que ainda existia em mim.

Ela latejava e me espancava querendo sair do meu próprio corpo.

Chamavam-na de alma, embora nunca tenha concordado com essa nomenclatura popular.

Talvez eu não tenha sido forte o bastante para falar (ou calar) enquanto sofria em vão.

Talvez, apenas talvez, eu tenha existido algum dia, e esse dia não é hoje.

Mas, apesar de tudo lutamos e, quiçá, resistamos.

Mateus Almeida Cunha

 

Solidão XXVI

Apesar de tudo, eu busco a essência do que nunca fui.

Procuro em letras de músicas, em livros, em frases soltas e descubro que, muito mais que eu, eu.

Embora inspire minha própria vida, expiro vidas alheias que admiro (e admito) como se fossem minhas.

E ensurdeço com essas vozes que me representam muito mais que a mim.

Mateus Almeida Cunha

Solidão XXV

Há tantos caminhos por trilhar,

por fazer, por seguir, por escolher

ou mesmo deixar acontecer.

Escolho o que me convém. Será?

Embora árduo, o que me traga algo

e deixe algo de mim.

O que me parece mais sensato

nem sempre é o mais curto

ou fácil ou certo.

Mas o que é certo, senão viver?

Viver, entre seres que conheço e desconheço.

Entre pessoas que gosto e que desgosto.

Entre lugares que fui e que vou.

Entre o almejar e o alcançar.

Entre os sinuosos percursos que me levam ao alvo.

O disparo, o medo, o caminho, a queda, o chão, o grito, o levantar, o acerto após (tantos) desacertos.

Mateus Almeida Cunha

Sobre a Escrita II

Quantas páginas brancas

para escrever ou desenhar o que quiser, como a vida que trilho.

Como um traço no próprio traço.

Posso deixa-lo assim: vazio.

Mas quero escrever esta história

que só eu posso fazer, embora saiba que algumas palavras lançadas são indeléveis.

Alguns infelizes pensamentos lançados na forma de frases mal ditas. Malditas. A maldição da interpretação da comunicação.

Hesito e me questiono se olho para ele ou se ele me observa.

Suas páginas são brancas e nada está escrito. Eu posso escrever, mas porque não o faço?

Arremesso o lápis no chão e opto pela caneta. Sim, a caneta.

Assim não terei chance de me arrepender e de apagar nada.

Vida que segue sem se poder voltar. Sem poder apagar os momentos.

Depois de escrita, não posso mudar mais nada. A palavra lançada não pode ser esquecida.

No máximo, explicada ou corrigida, mas jamais esquecida.

É preciso ter mãos fortes e firmes para traçar a letra no caderno.

Não se pode tremular.

Vida cruel que segue sem se preocupar com hesitações.

Mateus Almeida Cunha

Renascer

Ressurjo diariamente

mais jovem, mais introspectivo,

mais eu. Mas eu morrerei um dia.

É verdade que

morre-se em qualquer lugar,

mas só aqui, em mim, renasço.

Esperemos…

Mateus Almeida Cunha

Solidão XXIV

Acordar

e não querer levantar.

Como num sonho,

desaparecer.

 

Não a morte:

um sumiço libertador,

sabático,

autoconhecedor.

 

Mas Ela [a Vida] segue

e nos arrasta ao longo

das horas, dos dias e dos anos.

Porem, não há o que fazer: morremos diariamente.

 

Ah, e esta solitude que me acompanha, então?

Voltarei a dormir

outro sonho onde vejo

crianças brincando com cachorros.

(eles estão felizes. Eu tento ser)

Mateus Almeida Cunha

Solidão XXIII

Uma folha me observa

branca, estática, muda.

Tento transpor o que, ali,

poderia existir.

Sem métrica, sem rima, sem ritmo, sem forma.

Busco traduzir o inenarrável

em versos brancos,

simples, objetivos, diretos

que exprimam a vida e extraiam

o sumo de minha própria vida.

Mateus Almeida Cunha

Solidão XXII

Uma miríade de

sentimentos e sensações

que não lhe poupavam.

Não, não era fraco:

era humano.

Apenas.

Mateus Almeida Cunha

Solidão XX

Se não tivesse banhado seu rosto,

talvez a tristeza não lhe fosse tão completa.

 

Assim, como num encontro excepcional consigo,

se sentiu ferido, vazio, nu.

 

E por não se reconhecer, chorou.

Porém, isso lhe aprazia porque sabia que havia mudado.

Não havia volta: era preciso viver.

Mateus Almeida Cunha

 

Lembranças I

Não são lágrimas:

são lembranças (des) materializadas

no tempo, no tempo, no tempo…

No tempo nu.

Mateus Almeida Cunha

Solidão XVIII

Eu busco o sentido das coisas
Dos fatos, das fotos,
Das pessoas, das plantas

Para que servem as coisas?
Quais coisas?
As coisas.
Coisas.
Coisas, coisas, coisas…
Quais?

Eu não entendo
Eu não (me) entendo
Eu.
Eu?
É isso que tenho sentido:
Não há sentido!

Mateus Almeida Cunha

Solidão XVII

Eu aqui tão só a pensar,
e aqui tão só, pensar:
como o tempo parar?
como a vida perder?
como num lapso, partir?
como, na ira, um furor?

E eu aqui,
tão só.
A pensar…

Mateus Almeida Cunha

Solidão XVI

Um dia o mundo há de cansar-se de mim!

E mesmo não querendo há de levar-me. Para onde?

Para onde nem sei se existe ou existirá.

Amanhã terei de levantar e sentir meus próprios sentidos.

 

Quem sabe quando a tarde vier,

a noite surgir e findar o dia:

eu saberei esperar?

Eu espero…

 

Quem sabe os raios escarlate-dourados do Sol,

que se escondem entre as nuvens,

me façam esquecer

minha insignificância?

 

Quem sabe a noite silenciosa

me faça pensar que nada existiu,

nada nunca existiu, eu nunca existi,

e tudo é uma grade ilusão?

 

Quero uma noite longa de descanso,

sobre a relva que me cobrirá um dia,

em seus braços cheios de terra,

a me agasalharem para sempre.

Mateus Almeida Cunha

Solidão XV

Sua ausência faz-me estremecer:

vacilo, tremulo, transpiro e sinto um murcho coração a bater hesitante.

 

Sua ausência faz-me estilhaçar em mil,

em vis pedaços, cacos de mim.

 

Sua ausência faz-me perder a razão

e enlouqueço vorazmente.

 

Sua ausência parece-me apunhalar,

e ferido, sangro: pobre coração dilacerado.

 

Sua ausência faz-me adormecer,

para em sonhos buscar-te plenamente.

 

Sua ausência faz-me calar em:

fatos, fotos, lembranças e silencio por medo de perder-te.

 

Sua ausência faz-me abismo de mim em lamúrias.

lentamente caio e me perco no vazio de mim.

 

Sua ausência faz-me sofrer amiúde,

na infindável busca de seus braços a envolver-me em abraços.

 

Sua ausência faz-me adoecer:

tenho febre, tenho medo, pereço. Mas minha cura é você.

 

Sua ausência faz-me perder.

e na solidão de perder-te morro eternamente.

Mateus Almeida Cunha

Saudade XXIX

Ter, não ter.

Apenas lembrar.
Tudo se perde,

se vai ou se esvai.
Por que nós não?

Por que não nós?
Vamos, não vamos

Somos, não somos.

 

Estamos.

Ficamos.

Pelos que cedo
se foram: saudades.

Pelos que se foram:
lembranças etéreas.

Pelos que vão:
que não se vão…

Mas eles
não sabem

E não ficam:
fincam

seus laços
em nossa memória.

História,
glória.

Eis que fica:
a saudade dói!

Sem mais palavras,
essa tal palavra-saudade

Mateus Almeida Cunha

Contemplação

De repente, a contemplação de um mundo estático:
um abismo entre, os os, dois olhos.
Acorda, do alto, a paisagem a lhe observar:
devorar.
Do alto, o chão a lhe seduzir:
arguir.

Da brisa,
as aves a plainar.
Entre dois mundos, o céu e a terra,
Um penhasco:
s-a-l ———–t-a-r
ou
c
a
i
r

No instante da queda, uma contemplação:
a vida.
Uma dúvida que não mais lhe pertence.
Os braços, como asas frágeis a se desfazer.
Pular, saltar, plainar, cair.
Cair
Cair
Nada mais lhe resta a não ser um corpo que lhe foi.
Não é: fora.
Do chão, as nuvens passam brancas no céu que lhe inspirara.
Sangue.

Mateus Almeida Cunha

O Temor

Cuidado: não temas o desconhecido.
Ele não tardará a vir.
Para Drummond, a porta cerrada, não abras.
Não cerre os olhos para o medo,
Ele virá.

Cuidado: a canção desolada que toca,
o livro semiaberto que se oferece,
o controle da TV que se lança nas mãos.
Não ouça, não leia, não veja.

Cuidado: a voz que se fala,
a voz que se ouve,
a vós, que se cala.
Fala!

Mateus Almeida Cunha

Saudade XXVIII

Aquela outra estrada,

aquela cidade arrasada,

aquela paixão destroçada.

 

Aquilo, por dentro, emoção.

Aquilo que nunca saberão,

aquilo em que nunca acreditarão.

 

Saudade,

vontade,

voracidade.

 

Aquela vontade contida,

aquela verdade adormecida.

aquela voracidade perdida.

 

Aquilo que, aos poucos, se esvai,

aquilo que, de dentro, não sai,

aquilo que, aos poucos, lhe trai.

 

Saudade,

verdade,

caoticidade.

 

Aquela outra despedida.

Aquela outra, esquecida.

Aquela outra, distraída.

 

Aquilo que quedava adormecido.

Aquilo que queima escondido,

aquilo que findava esquecido.

 

Saudade,

invade,

maldade.

 

Aquela ausência perdida

Aquela triste partida

Aquela outra ferida

 

Aquilo que vem lá do fundo,

aquilo que dorme maribundo,

aquilo que desconstrói seu mundo.

 

Vontade contida,

paixão recolhida

audácia perdida.

 

Saudade,

invade:

vontade.

Mateus Almeida Cunha

Sobrevivência

Vivo,
sobrevivo.

Bestifico,
petrifico.

Reflito,
repito,
reflito.

Existo.
Existo?

Sobrevivo…
sobretudo vivo.

Mateus Almeida Cunha

Vende-se um Coração

[poema resgatado de manuscritos do ano de 2005 ou 2006. Esquecido pelo tempo, dormindo num sono tranquilo e profundo]

Vendo um coração semi-novo, pouco tempo de uso,

com pouca, quase nenhuma experiência amorosa.

Passou por algumas emoções, é certo

mas, nenhuma como a que se pretendia.

 

Batidas cardíacas rítmicas, compassadas:

traz também tantas tristezas…
Funciona quase perfeitamente:

só não dispara grande emoções.

 

Permanece gélido, fraco, inconsólito

carregando em si, sua própria seiva: sangue.

 

Rubro, já não se declara:

repara os enamorados.

 

Quem o quiser, falar com

o Sr. Preciso Amar Agora.

 

Endereço: Rua da Saudade, n.º 103

Edifício da Carícia, 4º andar, Praça dos Amantes.

 

Observação: único dono.

Pouco uso pelas circunstâncias.

Mateus Almeida Cunha

Saudade XXVII

A saudade dói,
mas a grande dor é mesmo lhe perder de mim
E isso dá tal taquicardia
como uma chama a flamejar
e, num ímpeto, se apagar
a levar consigo todas as respostas suas, cruas
numa luz radiante a privar-me da visão
de um espelho a mentir sobre a sua imagem,
reflexo de mim.

Uma imagem deformada e frágil,
a se esconder diante dos olhares
que lhe secam as palavras
capazes de exprimir minha dor.

A saudade corrói,
mas a grande dor é mesmo se perder de si
E isso dá tal paralisia
como uma chama a se apagar
e, num ímpeto, se evolar
a trazer comigo todas as respostas cruas, nuas
numa cruz perfurante a matar-me na solidão:
um espelho a não mentir sobre essa imagem,
miragem de mim.

Uma imagem disforme e débil,
a me mostrar diante dos olhares
que me expõem às palavras
incapazes de exprimir como estou.

Mas você, meu bem,
Você não vem…

Mateus Almeida Cunha

Solidão XIII

Solidão:
uma cacto que brota do vazio,
em meio a seu deserto de si.

Em meio a tantos outros,
entre flores, rebenta.

Seria uma flor a se esconder
entre os espinhos?

Mesmo entre tantos outros,
definha, sofre, sente.

Defende-se, refém de si:
angústia da sua solidão.

Mateus Almeida Cunha

Solidão XII

Solidão:
É o pedaço de si que lhe falta e mais lhe dói
É um pedaço que, inexistente, corrói.

É estar, em parte, incompleto
É não sentir-se, em si, repleto.

É perder-se em meio a tantos
É perder-se em seus cantos.

É perder-se em emoções,
É um abismo de sensações.

É sentir, no fundo, algo a lhe dilacerar,
É sentir, lá dentro, espedaçar.

É não encontrar sua salvação,
É, na verdade, sofrer em vão.

É calar-se, na hora do grito,
É não lhe ser suficiente,
É desfazer-se
em si.

Mateus Almeida Cunha

Amor XXXIX

Como se fosse o último suspiro,
a única parte capaz de completar
o vazio que carrego em mim,
em mil pedaços, ai de mim.

A cada dia que (nos) passa,
amando-nos mais e mais, deliro.
Como se fôssemos devorarmo-nos
terna e silenciosamente: eternamente.

Nossos passos cadenciam-se
numa silenciosa valsa que, aos poucos,
vai-e-vem num misterioso passo
vagaroso e contínuo a nos amedrontar.

Onde, juntos
caminhamos em nossas transformações,
destinamos nossa trilha
e, no silêncio, nos amamos.

Onde, juntos
transformamos nossos caminhos,
trilhamos nossos destinos
e amamo-nos em silêncio.

Mateus Almeida Cunha

Amor XXXVIII

Entre tantos começares,

entre tantos pesares,

entre tantos gostares,

entre tantos estares,

entre tantos restares,

entre tantos morares,

 

Entre tantos, tantos…

tantos! Ficares?

 

Ser, ficar, fincar.

Estar, fugir, soltar.

 

Entre tantos seres, ser.

Entretanto, ser.

Isso (me) basta.

Isso (não) basta.

Isso

Basta

Ser

Mateus Almeida Cunha

Amor XXXVII

Entre dois mundos, um muro

e o silêncio e nos calar.

 

Numa súbita ausência a fraquejar

Como uma pétala, no ar, repousar.

 

Como o silêncio mudo que dói

Como o silêncio profano, corrói.

 

Entre tanta angústia,

Entre tanta audácia,

Entre tantos carinhos,

Entre tantos, sozinhos.

 

Entre dois muros, um mundo

E o silêncio a nos incitar.

 

Num súbito mistério a se mostrar,

Como numa folha a, no ar, se evolar

 

Entre tantos anos,

Entre tantos, vamos

Entre tantos olhares,

Entre tantos sonhares,

 

Apenas esse seu olhar

e esse meu sonhar.

Apenas esse seu gostar

e esse meu amar.

Eternamente a me devorar

Mateus Almeida Cunha

Reticências

É… no fundo sou mesmo reticências…
Gostaria de ser um ponto final, definido. Uma afirmação. Ou uma conclusão.
Talvez uma vírgula, uma explicação, um opinião, uma afirmação.
Já sei! Uma exclamação! Aí sim seria bom! Bom mesmo!
Seria então uma interrogação (de mim mesmo)? Teria outra vida? Quereria? Gostaria? Amaria?
Nada disso… sou reticências… não completo… talvez explique, não sei… é… talvez seja isso mesmo: reticências… continuo sendo… indo… fazendo… enfim… continuo..

Mateus Almeida Cunha

Saudade XXVI

O Sol já se pôs meu bem

E você não vem…

É tão tarde!

E amanhã também,

você não vem?

Mateus Almeida Cunha

Solidão XI

Levantei-me

como se eu fosse

um outro eu.

Sendo eu, triste que fui um dia.

Taciturno.

Ensaiei

lembranças que nunca tive

de coisas que nunca vivi

de pessoas que nunca conheci

e de fatos que nunca presenciei

ou vivenciarei.

Desconheci-me

quando me reconheci disforme,

apático, mudo, sombrio

como a noite, onde os passos

ecoam como vozes repetidas

de sons e sons e sons

não ditos, não ditos, não ditos

malditos.

Revelei

a mim uma outra face

que nunca supus existir.

Essa face que me esfacela

de fazer-me, em mim, outro.

Outros, outros, outros…

Fujo

deste corpo que me persegue.

Mas não sou mais eu.

Não sou mais outro.

Não mais estou em mim.

Então, sou o quê?

Mateus Almeida Cunha

Solidão X

Cansado, sobrevivo aos dias, a todos, a tudo.

Cansado, sobretudo de todos, eu resisto.

E luto, e choro, e silencio, e morro a cada dia dentro de mim.

Eu fraquejo, mas não me entrego, embora esteja em frangalhos.

Desmoronei-me em mim e me fiz em ruínas.

Mateus Almeida Cunha

Solidão IX

Eu estava sozinho e caminhava observando o mar.

Sentei-me num banco e não havia mais ninguém.

O mar estava em mim, enquanto estava absorto em meus pensamentos.

Você estava neles, mas não estávamos mais juntos.

Eu estava só

mais uma vez.

Mateus Almeida Cunha

Solidão VIII

Então é isso: nascemos.

Sem nome, sem escolha, sem destino.

Nascemos.

Então é assim: vivemos.

Com nomes, com escolhas, com incertezas.

Vivemos.

É verdade que a melhor opção é poder escolher.

Caminhos, dúvidas, sacrifícios.

Labirintos, certezas, gozos.

Escolhemos.

Entre as mãos que nos trouxeram para este mundo

e as mãos que cavarão nosso último leito,

um soco.

Um nocaute.

Um medo

no meio do meio

no fim que finda em mim.

É tarde e a porta está trancada.

Ouço baterem.

Mãos não há.

Ouço chamarem.

Vozes não há.

Ouço passos.

Pés não há.

(silêncio, preciso ouvir)

Mateus Almeida Cunha

Solidão VII

Hoje sou lágrimas escondidas.
E essa música a me atordoar, porque “hoje a tristeza não é passageira”.

Profundo, melancólico, desmorono em mim nesta noite escura disfarçada pelas luzes, assim como eu.

Hoje sou lágrimas feridas.
“Quando tudo está perdido sempre existe uma luz ”

Fujo, finjo, minto.

Hoje sou lágrimas hipócritas.

“Quando tudo está perdido eu me sinto tão sozinho”

Enquanto isso, a palidez fria de minha face úmida se confunde com minhas mãos secas.

“E quando chegar a noite cada estrela parecerá uma lágrima”

Como se estivesse tudo bem aqui dentro, mas dói.

Hoje sou lágrimas expostas.
Num sorriso forçado, sou um fingidor profissional que sofre com o medo dos anos que se passam e desgastam meu corpo.

Uma velhice que nos degrada aos poucos, desde que nascemos, até o fim.

“Só me deixe aqui quieto que isso passa”

Hoje sou todo lágrimas.

 

[Citação: A Via Láctea – Legião Urbana]

Mateus Almeida Cunha

Solidão VI

Se houvesse poço,
qual poço?
Se tivesse fundo,
qual fundo?
Se houvesse o fundo do poço,
o vazio, no fundo.
A queda,
o grito,
a lágrima,
o silêncio.
O fundo do fundo.

O fundo, no fundo do poço
O levantar,
o cair
O fundo, no fundo
o poço
A lágrima, o poço
O poço de lágrimas e silêncio.

Aqui jaz o silêncio, bem no fundo do fundo
Do fundo do poço, o poço.
A queda.

Mateus Almeida Cunha

Solidão V

O outro
O outro corpo que se lança no escuro
Atiça

O outro
O meu corpo que se lança no vazio
Atira

O outro
O outro corpo que se roça no meu
Atiça

O outro
O outro corpo que se espelha no meu

Mira, atira, acerta
O espelho em pedaços
em mil, em mim
os cacos, o corpo
o outro eu.
Vivos, partidos, aos pedaços
é o que estamos.
“Mas estamos vivos ainda”

[Citação da canção “Natália”, de Legião Urbana]

Mateus Almeida Cunha

Solidão IV

A noite
A noite basta
A noite basta para nos consolar
A noite basta para nos consolar na melancolia

A melancolia
A melancolia em si
A melancolia em si, existe
A melancolia em si, existe e resiste

A solidão
A solidão na noite
A solidão na noite da melancolia
A solidão na noite da melancolia insiste

Mateus Almeida Cunha

Solidão III

Não há mais nada além de lágrimas e solidão
O tormento dos que tentaram esquecer da dor

Não há mais tanta lágrima, solidão…
O tormento dos que haviam esquecido da dor

Quem sabe, o medo deixe de existir
Quem saberá?
Quem sabe, a angústia se finde
Quem saberá?
Quem sabe, tornemo-nos mais frios
Quem saberá?
Quem sabe, queiramos apenas lutar
Quem saberá?
Quem sabe, brindemos a vida
Quem saberá?
Quem sabe, sonhemos
Quem saberá?
Quem sabe, recomecemos
Quem saberá?
Quem sabe, aquilo, de dentro, se extinga
Quem saberá?

Quem quererá?
Quem ficará?
Quem mudará?
Quem aceitará?
Quem acatará?
Quem chorará?
Quem findará?
Quem fincará?
Quem brilhará?
Quem adotará?

Nada se sabe
Nada se saberá
Nunca se soube
Nunca se saberá

Mateus Almeida Cunha

Amor XXXVI

Na vastidão da plenitude,

o amor.

 

Aquilo que nada se sabe.

Aquilo que tudo se sente.

Aquilo que nada ressente.

 

Na imensidão da quietude,

o amor.

 

Aquilo, de dentro, emoção.

Aquilo que poucos sentirão.

Aquilo que vibra, pulsação.

 

Entre poucos, se ama.

Na amplidão, o amor não trai.

 

Entre tantos, se ama.

Na amplidão, o amor não se esvai.

 

Entretanto, se ama.

Na amplidão,

o amor.

Mateus Almeida Cunnha

Saudade XXV

“De repente, nunca mais esperaremos”
De repente, nunca mais seus olhos a me penetrarem

De repente, nunca mais sua voz a me chamar

De repente, nunca mais seus lábios nos meus

De repente, nunca mais sua mão macia sobre meu corpo nu

De repente, nunca mais seus seios em minhas mãos

De repente, nunca mais estaremos

 

De repente, se acabou

De repente, sua ausência

De repente, se finda uma vida

De repente, a solidão

e

De repente, se acostuma

De repente, se solidifica

De repente, se petrifica

 

De repente, não tão de repente

De repente, outro amor

De repente, outra dor

De repente, não se acostuma

De repente, não mais se satisfaz

De repente, outra separação

De repente, “tudo dói”

 

[Citações: Vinícius de Moraes, “Poema de Natal” e Caetano Veloso, “Tudo Dói”]

Mateus Almeida Cunha

Saudade XXIV

Saudade, saudade,

uma ausência de verdade

ou uma pseudo-solidão?

 

Saudade, saudade,

um não completar-se de

não tão rara emoção

 

Saudade, saudade,

embora pareça eternidade

nada mais que sensação

 

Saudade,

de pensamento de outrem,

solidão

 

Saudade,

de tanto corroer-se em

emoção

 

Saudade,

Uma indescritível

Sensação

 

De tanta dor,

Silencia-se

Mateus Almeida Cunha

Amor XXXV

Não trocar garantias de toda uma vida

por momentos efêmeros.

Não se desviar do que se ama pelo que

te dá tesão ou seduz.

Mateus Almeida Cunha

Saudade XXIII

Abro a porta e não ouço música do aparelho de som ou o ruído insuportável da TV.

As luzes apagadas, como eu gosto, indicam que você não está lá.

Ainda assim, incrédulo, chamo pelo seu apelido e não tenho retorno.

Acendo a luz da sala, tranco a porta e deixo as chaves sobre a mesa da sala.

Numa esperança inútil vou até nosso quarto, mas você não está.

Sento-me na cama, arranco os sapatos de um dia exaustivo de trabalho e tiro a roupa.

O banho sozinho não é o mesmo: parece que se passam horas enquanto a água cai no meu corpo.

Esqueci a toalha e, em vão, grito, mas não há ninguém para buscá-la.

Eu mesmo a busco, molhando toda a casa, pensando que você vai reclamar do chão molhado.

Mateus Almeida Cunha

Amor XXXIV

Eu era noite sem estrelas

banhado em névoa e

escuridão.

 

Eu era noite sem luar

num céu apagado sem

graça.

 

Ele era dia sem nuvens

claro num céu azul e

límpido.

 

Ele era dia sem neblina

ou névoa sem encobrir o

Sol.

 

Certo dia, numa sorveteria,

encontramo-nos de forma

inusitada.

 

O primeiro beijo foi sob

a chuva, dentro do carro numa

tarde.

 

Horas depois, a viagem que

nos separaria a quilômetros de

distância.

 

Mas a verdade é que nunca nos

separou porque o amor não se mede em

quilômetros.

 

Ou horas.

Ou dias.

Ou metros cúbicos.

Ou anos-luz.

 

O amor é medido em intensidade

incomensurável.

O amor é sentido em olhares

singelos.

O amor se reproduz em toques

irreproduzíveis.

O amor se ouve em vozes

inaudíveis.

 

O amor se cala ou,

melhor, não se cala:

declara-se.

 

O amor de duas pessoas que simplesmente

se amam:

sem cor,

sem raça,

sem credo,

sem idade,

sem gênero,

sem estilo musical,

sem preconceitos.

Mateus Almeida Cunha

Amor XXXI

Afrodisíaco não é o seu rosto:

são as palavras que você espalha.

 

Não é apenas seu perfume:

são suas ideias exaladas.

Mateus Almeida Cunha

Saudade XXII

Uma distância entre duas vidas

Uma vida em outra vida

Vivida

Uma Verdade Secreta

Aberta, explícita.

 

A verdade que não cabe no poema

Uma vida em outra vida

Ávida

A vida

Urge, clama, grita.

 

Além daqui,

quantas vidas cabem numa vida?

Quantos segredos cabem num voo que vou?

E vou e vou.

E voo e voo.

Eu vou!

 

Não me espere em sua casa,

porque lhe carrego em meu coração.

Não me conte suas histórias.

A minha HISTÓRIA é ao seu lado.

CALCULADO,

pois nem mil quilômetros poderão nos dividir,

repartir.

Porque mesmo além, posso ser seu amor

Salvador

Mateus Almeida Cunha

Autodestruição

Porque o que é intenso acaba por,

aos poucos,

autodestruir-se.

 

Enxugou as lágrimas,

pôs um sorriso (falso) no rosto

e seguiu.

Assim é a vida:

foda!

Mateus Almeida Cunha

Amor XXVIII

Eu era o crepúsculo, ele o alvorecer.

Eu poderia ser sombrio como a noite é,

ele era alegre como o dia.

O amor das minhas vidas sempre foi brilho.

Brilhante.

 

Nossos olhares eram capazes de conversar em silêncio, assim: olhos nos olhos

e saíam palavras mudas.

Nossas madrugadas insones podiam ser regadas a gargalhadas sem motivo algum

ou longas conversas sobre música, literatura, política ou apenas sobre devaneios da vida.

 

O meu amor nasceu para ser meu,

assim como o Sol existe para dar vida à própria vida.

Vida, esse amor que é assim tão meu.

Mateus Almeida Cunha

Amor XXVI

Amor é calmaria.

Amor é profundidade.

Paixões são tempestades,

raios, trovões e ventos fortes em mar agitado.

Amor não.

 

Amor é como um oceano calmo em dia de sol,

no qual o jangadeiro navega suavemente.

Amor é contemplação.

É um zelar constante, é sacerdócio, é serviço.

Amor é foda, sem ser apenas sexo.

Amor é alma, carne, transcendência.

Mateus Almeida Cunha

Saudade XVI

O Oeste me abraça

como um filho legítimo,

distante.

 

O Oeste me colore,

como se me envolvesse

em azul.

 

O Oeste me entorpece

no voo que me transmuta

em turbulência.

 

O Oeste me enauseia

com sua aridez sufocante

em brasa.

 

O Oeste me embebeda

em saudade que não escolhi

em vida.

 

O Oeste me surpreende

nesse clímax de desejo

de amar.

 

O Oeste me desobriga

ao que só obrigado

faria.

 

O Oeste, do Leste que moro,

meu Norte. O amor, no Sul

nascido.

 

Eu vivo.

Mateus Almeida Cunha

Saudade VII

Quente, quente, mais que quente.

Frio, frio, mais que frio.

Calafrios.

Era a vida me dando uma segunda chance.

Uma chance de lutar por ela.

Mateus Almeida Cunha

 

 

Outro Alguém

“Someone like you”

Espero que encontre outro alguém

que te ame o quanto te amei

e que possa te dar o que eu não pude:

um convívio presencial diário.

Mateus Almeida Cunha

Companhia I

Acordei, olhei para o lado e você não estava.

O seu lado da cama estava vazio.

Vazio como eu estava por dentro.

Sei que você não voltaria

e eu teria de me acostumar a isso.

Difícil, depois de tanto tempo

com a sua companhia.

Mateus Almeida Cunha

Crepúsculo

Olho para o céu em seu crepúsculo

e vejo cores, cores, muitas cores: multicores.

O vermelho-alaranjado predomina

parecendo sangue.

Suas rajadas coloridas deixam-me estupefato:

ele estaria ferido? Estaria sangrando?

Ele sabia o que estávamos sentindo?

Mateus Almeida Cunha

Para Soraya Cortizo, de uma foto enviada do pôr-do-Sol de Brasília. 

Nossa Música

A nossa música não toca na rádio,

nem é nenhum hit radiofônico.

Ela é nossa!

Apropriamo-nos dela ao longo desses anos.

Coloco minha playlist e ouço os primeiros versos:

“Por que, todo mundo precisa de alguém?

E eu preciso é de você

Pra comigo andar e para me entender”

Quem, além de nós sabe na nossa canção?

A música que tanto nos mandamos

hoje está esquecida no álbum de uma banda

pouco conhecida e que você me apresentou.

Os outros versos ecoam nos meus ouvidos:

“Sem motivação, é difícil viver

A vida me ensinou a querer

Um motivo só e eu vou lhe dizer”

Sim, eu preciso de você.

Mas, como continuar sem a sua presença?

Enquanto isso eu vou tentando viver.

Eu existo e resisto dificilmente.

Mais que isso: resistir.

Mateus Almeida Cunha

Uma Flor Vermelha

Certo dia, caminhando por uma cidade

você abaixou-se e pegou uma flor no chão.

Era vermelha e de plastico, mas não deixava de ser uma flor.

Olhou para mim e presenteou-me com ela.

Um dos melhores (e mais singelos) presentes que (já) tive.

Depois de tantos anos, tenho-a guardada até hoje

com carinho. O mesmo carinho que você teve ao me dá-la.

Mas ela está lá, sem vida, assim como nós estamos.

Mateus Almeida Cunha

 

Separação II

A dor indescritível de uma separação

pode não ser tão dolorosa como a da morte.

Mas, quando nos veremos novamente?

Nos veremos ou esta separação será como

a própria morte para nós?

“Onde estará o meu amor?”

Mateus Almeida Cunha

Cantiga Para Não Morrer de Amor

Amo-te tanto e assim tão intensamente

como nunca cri amar outro alguém. 

Amo-te tanto e assim tão amiúde,

como o oceano a revelar-se imenso.

Amo-te tanto como os incontáveis

grãos de areia a moverem-se lentamente 

pelo resultado do vai-e-vem das marés.

Amo-te como as inumeráveis estrelas

na imensidão do céu em sua vastidão.

Amo-te tanto e tanto, que mais que isso

seria minimizar o que sinto.  

Mateus Almeida Cunha

Sangue

Há sangue por toda parte.

Um corpo no chão,

ainda morno,

com os pulsos cortados.

Por que se matou?

Nunca saberemos.

Sabemos apenas que um dia foi feliz.

Mateus Almeida Cunha

Paisagem Noturna I

Ouço o som das Criaturas da Noite, de Flávio Venturini.

O silêncio é quebrado pelos ruídos dos bichos.

Aos poucos, tento distinguir, em vão, cada animal.

Já é madrugada e não consigo dormir,

nem sob o efeito de fármacos em doses excessivas.

Levanto e começo a cambalear, sob o efeito dos medicamentos.

Vou até a estante e escolho um livro de poesias de Rimbaud.

Leio um verso arrebatador:

“- Temos sede de amor: tu virás aplacá-la”.

Durmo com o livro caído sobre o peito.

Mateus Almeida Cunha

Cicatrizes III

Hoje acordei pior do que ontem.

Mentiram quando disseram que

o tempo é o senhor do destino

e que ele alivia as dores.

O tempo não é capaz de curar

as dores. Elas podem acidentalmente

se transformarem em mágoas e, assim,

afoga-mo-nos nelas.

Como um poço sem fundo.

Mateus Almeida Cunha

Cicatrizes II

Não sei se um dia se curam, as cicatrizes.

Marcas que apenas nós sentimos,

visíveis ou não, mas marcas.

Superficiais como arranhões

ou profundas como sulcos.

Invisíveis, no coração,

que só dois apaixonados reconhecerão.

Marcas, marcas, marcas.

Como apagá-las?

Mas elas não se apagam.

Mateus Almeida Cunha

Quanto Tempo Leva um Luto?

Quanto tempo leva um luto?

Há quem diga que três dias são

suficientes para amenizar a dor.

Outros, meses ou anos.

Outros ainda que ele pode nunca acabar.

Mas o que mesmo sou capaz de dizer é que nestes cinco dias

pouco ou muito pouco amenizou a minha dor.

Uma ferida que não cicatriza.

Mateus Almeida Cunha

Outro Alguém

– Adeus! – disse-lhe.

– Adeus! – disse-me.

– Encontraremos outro alguém,

já que nossas vidas foram para sentidos opostos.

– Sim, encontraremos.

Não houve beijos, ou abraços ou apertos de mão.

Não se olharam e partiram.

Cada um para o seu lado.

Mateus Almeida Cunha

Saudade XIV

Sim, pouco eu falo, pois muito observo.

Ainda sinto seus lábios nos meus.

Seus olhos a penetrarem-me a carne.

Não, nada mais direi sobre nós

ou sobre o nosso tempo,

que não é mais hoje.

Um tempo de um passado recente

como um pássaro a voar sem destino.

O meu medo é o impacto do chão,

pois dele nada passa.

Se cair, sobreviverei?

(a queda)

Mateus Almeida Cunha

Paisagem Onírica

Confesso que vivi todo esse tempo

como num sonho.

Uma paisagem que apenas eu via.

Momentos tão ternos que vivemos,

em meio à turbulência do mundo externo

que nos observava e dizia que aquilo

um dia acabaria.

E acabou. Despertamos.

Apenas choro de saudade pelo que vivi.

Mateus Almeida Chuva

Combustão

Queimo.

Ardo em febre.

Quarenta graus.

Estou prestes a entrar em colapso.

Quarenta e três graus.

Quase entrando em combustão.

Transpiro.

É um suor frio e úmido, apesar da temperatura elevada.

Entro em choque térmico.

Levam-me para a emergência.

Começo a delirar.

Estaria vivo ainda ou ali seria um prelúdio da morte?

Alucinações.

Vejo uma luz branca, pálida.

Olho para ela, mas a intensidade aumenta.

Ouço o som dos aparelhos, ao fundo, longe

como um bipar contínuo/constante.

(não estou mais entre os vivos)

Mateus Almeida Cunha

Tempestade II

Que a melancolia que estou sentindo

traga-me poesia e melodia.

Que a melancolia que me invade

seja breve para eu poder resistir à tormenta.

Que esta melancolia

não me leve ao sepulcro,

assim como levou os poetas que, de tanto amor,

suicidaram-se.

Mas sou mais forte que isso:

eu sou a ventania em dias de tempestade.

Mateus Almeida Cunha

Sincronicidade

Voltamos ao ponto de partida

onde tudo começou:

quando nos conhecemos.

Hoje parecemos dois estranhos.

Não que nos falte afinidade,

mas nos falta sintonia,

sincronicidade.

Mateus Almeida Cunha

Dois sofás, um copo d’água e lenços de papel

Entrei por aquela porta pela primeira vez

e ela cumprimentou-me.

Tentou fazer com que me sentisse confortável

e fez um gesto indicando um sofá para eu me sentar.

Assim o fiz.

Olha-mo-nos por alguns instantes cruciais

até ela dizer-me:

– E então, por que você veio aqui? Fale-me sobre você.

Fiquei atônito. Mal sabia o que falar.

Olhei para os lados e vi lenços de papel sobre a mesinha.

Precisaria usá-los naquela sessão?

Quantas pessoas passam por ali e quantas caixas de lenço são gastas?

Quantas histórias são contadas ali?

Quantas vidas cabem numa vida?

Peguei o copo d’água e comecei a divagar.

Quanto ao resto, vocês nunca saberão.

Posso apenas afirmar que os lenços são utilíssimos.

Mateus Almeida Cunha

Céu

Imagens, figuras distorcidas ou não

pelas nuvens claras.

Ondas de nuvens num céu claro.

Carregadas com água que precipitarão

sobre nossos corpos e rios e lagos e mares.

Olho para o céu novamente.

Não está mais claro: é noite.

Estrelas são as sardas do universo,

salteadas em pontos mínimos

que viajaram por centenas de anos até serem vistas.

Somos ínfimos diante da grandiosidade do universo.

Estrelas, estrelas…

por que me tomas este tempo em observá-las

se nunca poderei tocá-las?

Um vislumbre me basta.

Mateus Almeida Cunha

À Deriva

Não havia rio, não havia mar.

Nem barco havia,

mas estávamos à deriva.

Perdidos à procura de algo,

embora não soubéssemos o quê.

Estávamos à deriva de nós mesmos.

Mateus Almeida Cunha

Acalanto I

Cubro-lhe com todo o meu amor,

como um cobertor a aquecer sua alma.

Há tanto para lhe dizer, embora agora me faltem palavras.

Não as sei dizer, mas sei que meu abraço seria como um acalanto

para as nossas dores que não são físicas.

Mateus Almeida Cunha

Sobre a Escrita I

Escrever é exorcizar os demônios

que existem em nós.

Demônios criados pela nossa imaginação,

alimentados por paranóias, medos ou inseguranças.

Escrever é expulsar o que há de mau

dentro nossos pensamentos.

Mas, como simplesmente tirá-los do nada?

Ainda não o sei, mas escrevo para tentar descobrir.

Talvez essa descoberta seja capaz por me bloquear a escrita.

Sendo assim, deixo-os aqui e liberto-os aos poucos.

Mateus Almeida Cunha

Sobre(viver)

Há dias, como hoje, que não vivo: sobrevivo.

Talvez apenas a minha supérflua existência

seja um caminho entre dois mundos.

Uma pergunta retórica: quais?

O mundo em que vivo, real, e o que gostaria de viver.

Hoje tudo é sombra e cinzas,

mas tudo passa, assim como também passarei.

Hoje sobrevivo e, quem sabe amanhã, eu viva?

Mateus Almeida Cunha

Opostos / Dispostos

Eu era terra, chão que se pisa, que é real.

Ele era ar, imaginação suprema, que transcende.

Dois opostos, com tantas coisas em comum,

dispostos a se completarem e se transbordarem em amor.

Mas a vida não é simples.

Dura como a rocha,

ela atirou-se em nossa vidraça

e quebrou-nos a cara.

Ela que se foda!

Vamos continuar dispostos a tentar.

Mateus Almeida Cunha

Hiato

Talvez a alegria seja mesmo isto, Vinícius:

um hiato entre duas tristezas.

Mudo, calado eu fico em estado de transe: extasiado.

As palavras me vêm e me somem.

O que seria eu capaz de dizer?

O que diria sobre a tristeza?

Ela é inenarrável.

Sim, fui feliz por muitos instantes,

mas hoje não estou mais.

A tristeza me domina, me invade e me corrompe.

Ela se instalou em mim e não sei como arrancá-la de mim.

Por hoje é só.

Mateus Almeida Cunha

Lágrimas e Silêncio

Choro copiosamente em meu quarto,

banhando o travesseiro

com este líquido maldito que me corrói

por inteiro.

Estou só, em silêncio, embora tanto haja para te falar.

Eu estou aqui, enquanto você não pode me ver ou ouvir.

Não quero que me veja agora: estou decrépito, transmutado.

Eu não sou mais eu.

Sou outro eu, que não se afasta de mim.

Aquele ser triste que chora sem parar

quando lembra de ti.

Quando lembra do seu sorriso a me olhar

alegre e ternamente, com carinho.

Sim, não sou mais eu.

Quando serei eu novamente, não sei.

Apenas o tempo dirá.

Mas ele não cicatriza as dores,

ele apenas as anestesia levemente.

Mateus Almeida Cunha

Alquimia

Quisera poder teletransportar-me

e estar ao seu lado.

Não por instantes, mas por uma vida inteira.

Quisera poder ter a fórmula da alquimia

desse nosso amor, para poder transpor

essa distância que, por ora, nos separa.

Pois o amor tudo vence. Ele vencerá.

O amor há de vencer!

E, com isso, tempo nos aguarda.

Ele nos entrelaçará em sua sapiência

e saberá que duas pessoas que se entregaram

uma à outra não podem simplesmente não estarem unidas.

Mateus Almeida Cunha

Direção

A orientação que tínhamos,

o nosso “norte” falhou.

Espero que daqui a algum tempo

nossas direções se cruzem novamente

como havíamos feito tantos planos.

E o futuro? Quanto ao futuro…

Ele nos pertence?

Caberá a ele trilhar nossas vidas novamente,

como uma única vida.

Vida!

Mateus Almeida Cunha

Inscrição

“Silêncio, por favor,

enquanto esqueço a dor do peito”

Faço do teu nome uma tatuagem

em meu corpo.

Não, não é visível,

pois está marcada em meu coração.

Uma marca indelével,

inscrita ao longo do tempo.

Mateus Almeida Cunha

Por Amor

Por amor nós ficamos,

mas também somos obrigados a deixar.

As partidas podem ser rápidas e dolorosas

ou lentas e mais difíceis ainda.

O que somos capazes de fazer por amor?

Mateus Almeida Cunha

Matéria Escura

A matéria escura pulsa em meu peito

em meio ao caos.

A matéria escura, fluida, vermelho-sangue

enche-me as artérias de vida

e leva as impurezas pelas veias.

Quisera eu que ela carregasse

minhas mágoas, filtrasse-as e

as bombeasse novamente

para o meu triste coração

que insiste em bater (quase) sem vida.

Mateus Almeida Cunha

Oroboru

Um círculo, sem início nem fim.

Como se o próprio fim fosse capaz

de (se) recomeçar.

Uma roda infinita

que se retroalimenta

de si mesma.

Se pudéssemos voltar ao início

eu voltaria sem medo.

Mateus Almeida Cunha

A Volta ou O Regresso

Talvez tenha sido um último adeus,

uma última despedida,

uma última frase incompleta.

 

A vontade que tínhamos

era de que aquilo fosse um “volte logo”,

um “até breve” ou um “cuide-se bem”.

 

Como saberemos se haverá volta?

Anseio pelo regresso daquele ponto de onde paramos

e que não hajam mais despedidas.

 

Mateus Almeida Cunha

Ondas

Observo as ondas que vêm e vão,

num movimento rítmico e intenso.

Elas não param.

Se cessarem, a calmaria toma conta do mar

que, de longe, admiro.

Mas um mar sereno não faz um bom marinheiro.

 

As ondas são como nós:

avançam e recuam.

Muitas vezes não sabem a hora certa de recuar

e chocam-se consigo mesmas.

O estrondo, a pancada, o ruído.

O impacto que tenho comigo mesmo.

Mateus Almeida Cunha

 

 

Noites em Claro

Há noites que não durmo.

Noites em claro, como dias turvos.

Há um silêncio sepulcral que me acompanha.

Uma não-voz, que apenas eu sou capaz de ouvir.

Ela sussurra baixinho: apenas eu a escuto.

Ela me diz coisas que não gostaria de pensar,

ou saber, ou querer ouvir.

É a minha própria voz gemendo,

como se me acompanhasse por todo o tempo.

O que ela me diz? Coisas horrendas.

Mateus Almeida Cunha

Contagem

Oh, sim!

Há quanto tempo não ouço a sua voz…

Seriam dias, semanas, meses, anos?

Já nem sei mais contar,

pois a saudade me assola

de forma arrebatadora.

E morro nesta cama de saudade de você.

Mateus Almeida Cunha

 

Sangrando

Sigo sozinho novamente,

com o coração no peito

que me bate mais que…

Não, não bate: apanha.

 

Sigo sozinho novamente,

com as mãos sem companhia

sem tocar em outras mãos…

Sim, sem o carinho: o afago.

 

Sigo sozinho novamente

pelos caminhos tortuosos

que a vida me impôs.

Sem saber como seria o futuro.

Mateus Almeida Cunha

 

Um Beijo

Tome este singelo poema como um beijo.

Tome-o como um último presente que não pude te dar.

Tome-o como o amor que ainda lhe tenho,

incapaz de ser reproduzido em versos livres.

Livre como a vida é e como somos.

Mateus Almeida Cunha

Uma lágrima

Os olhos cintilavam, brilhavam.

Enquanto isso, uma lágrima caía,

escorria-lhe por toda a face.

A boca tremulava, pálida.

Tentava dizer algo,

mas não lhe saíam palavras:

a fonte estava seca.

Mateus Almeida Cunha

 

 

Saudade V

Não era chuva que caía,

mas uma enxurrada de palavras,

verborrágicas, cheias de sentimento.

Não era amor que faltava,

era a distância que se impunha

como uma barreira intransponível.

Mateus Almeida Cunha

 

 

 

A Poesia

A poesia reside na saudade,

na ausência e no amor.

 

A poesia também habita na distância,

no carinho e na dor.

 

A poesia habita onde há um ser

que ama outro ser.

 

A poesia não é: está.

Mateus Almeida Cunha

 

Sigamos

Sigamos, então, nossas vidas.

Nossos caminhos que se cruzaram,

já não mais se encontram.

Sigamos, então, nossos destinos

que um dia trilhavam juntos

por um objetivo comum: o amor.

Mas agora nossas vidas tomaram

outro rumo, outra trilha, outro caminho.

Sigamos individualmente nossas vidas, então,

apesar de meu coração não querer isso.

Sigamos.

Mateus Almeida Cunha

Cicatrizes I

O tempo não nos cura de dores ou mágoas,

ele ameniza as cicatrizes, expostas, vistas a olho nu.

Nada cicatriza por inteiro: sempre deixa marcas ou sulcos

e essas marcas fazem de nós o que somos hoje:

mais fortes, mais duros, mais frios, menos humanos.

Mateus Almeida Cunha

Separação I

As separações são sempre dolorosas, por mais necessárias que sejam.

Aquela música que faz lembrar uma história ou um sorriso.

O cheiro marcante do perfume na roupa ou nas páginas do livro.

O travesseiro que um dia te pertenceu hoje está sem dono

Aguardo inquieto uma mensagem que não vem, nem virá.

O nosso adeus já aconteceu e, quiçá, não haja volta.

Quem há de dizer ou de saber?

Apenas o tempo (nos) trará respostas.

Mateus Almeida Cunha

Um Retrato

Não estava na parede:

estava sobre um móvel.

Imóvel.

Aquela fotografia estática,

muda, apesar dos sorrisos.

Os olhos pareciam saltar

de alegria daquele momento.

Estavam felizes, é certo.

Mas estavam imóveis,

como se não tivessem vida,

embora estivessem cheios de alegria.

Eles foram felizes.

Mateus Almeida Cunha

Após a leitura do livro “O Retrato”, de Gógol.

Sorrisos e Lágrimas ou Um Ponto Final

Como diria Drummond:

– De tudo fica um pouco.

Ficam os teus olhos extasiados nos meus.

Fica o seu sorriso largo, suas gargalhadas

a brincar comigo numa tarde qualquer.

Fica o seu cheiro no meu lençol

e o seu perfume no meu travesseiro.

Fica a sua voz trêmula e zangada

ecoando nos meus ouvidos moucos.

Ficam as suas mãos na minha

no seu toque macio de carícia.

Fica aquele sentimento de que

tínhamos tudo para dar certo,

mas algo nos impedia.

Nunca gostei das reticências,

porque elas entristeciam.

As vírgulas me angustiavam.

E os pontos finais me doíam.

Agora precisamos de um ponto final,

pois é chegado o fim.

Quanto ao futuro

nada saberemos ou saberíamos.

Sim, é doloroso, mas sigamos nossas vidas,

cujos destinos um dia se entrelaçaram e entrecruzaram

e posso (lhe) dizer do amor que tive:

– Fui muito feliz contigo!

Mateus Almeida Cunha

(de uma mensagem não mandada)

Despedida ou Um Último Adeus

Escrevo-lhe versos curtos,

duros e secos como a vida é

ou como ela está.

 

Dou-lhe um último adeus,

sem poder dar um beijo ou

um abraço.

 

“Esperamos que um dia nossas vidas

possam se encontrar”

Mateus Almeida Cunha

Citação de “Teatro dos Vampiros”, de Legião Urbana.

Para Sempre

Apagar

para sempre

as marcas,

as dores,

as mazelas,

os maus sentimentos.

Os meus sentimentos,

apagados, se vão para sempre.

Mateus Almeida Cunha

As Perdas

As perdas, parece que

nunca iremos supera-las.

Há uma tristeza infinda

ao lembrar de nossos mortos.

Mateus Almeida Cunha

Para N.C.